Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
23-04-2023        Público

Em 1980, tinha eu ainda 25 anos, juntei-me aos que tinham criado a Revista Crítica de Ciências Sociais e estavam a preparar o seu 4.º número (o último, publicado em Dezembro passado, é o 129.º). O Centro de Estudos Sociais era apenas a entidade legal titular da revista. Formávamos um grupo pequeno, diverso, frontal e coeso, na larga maioria assistentes que estavam a iniciar as suas investigações. Sim, é verdade, muitas instituições deste país partiram de gente nova e de fortes relações intergeracionais. Foi a partir daí que se desenvolveu o centro em que o CES se tornou, diretamente relacionado com a Universidade de Coimbra, com os objetivos da política pública de ciência e com a finalidade de superar a incipiente capacidade de organização da investigação então existente.

Ao tornar-se grande, o CES acolheu muita coisa: boas e más dinâmicas e iniciativas, uma forte diversidade e pluralidade; fez-se um lugar onde se usa a voz, o confronto e a controvérsia e onde, como em qualquer instituição, se formam culturas dominantes e dominadoras e se geram lealdades e dissonâncias (estou a citar Albert Hirschman, o grande economista que teorizou as noções de exit, voice and loyalty). Há circunstâncias, e o CES representa-as, em que não se opta apenas por uma destas ações, porque elas têm de se usar em conjunto e em simultâneo. Não me interessa saber quem só usou uma ou as usou todas. É o momento de afirmar que as três existiram, através de quem ocupava tempos e posições muito distintas, fossem quais fossem as prevalecentes, entre dissonância, voz ou lealdade. E é o momento de fazer um convite.

Não recuso e defendo desde há muito que as relações assimétricas de poder foram demasiadas e que, alimentada de muitas formas (não só de uma), uma cultura institucional se tornou dominante, gerando proximidades e afastamentos, institucionalidades e não institucionalidades. Este é um ponto incontornável. Mas dominante é uma coisa, única ou mesmo maioritária é outra. Convido todos os que querem opinar sobre o CES enquanto centro de investigação que analisem as culturas teóricas, epistemológicas, políticas e estéticas que ali encontram. Vejam quantas são, somem-nas e apurem maiorias ou minorias.

Convido especialmente os que usam a sua ignorância ciclópica, em vez de um conhecimento que não procuraram, para opinar grosseiramente. Vejam o que fazem os que são especialistas de arquitetura e urbanismo, de relações internacionais, de economia política, de diferentes ramos da sociologia, de estudos literários, de antropologia e de psicologia, porque tudo isto existe no CES. Vejam quantos júris internacionais aprovaram projetos, em grandes concursos europeus e nacionais e quem avaliou o centro. Vejam e vejam o que está muito para lá dos esquemas apressados que alguns usam. Esquemas onde parece que só há gente pequena, submissa; seguidores e acéfalos. E dominadores e vítimas. A linearidade com que se olha para trás não é igual à complexidade de cada momento. Verão que, ao contrário do que aqui escreveu Filipe Carreira da Silva, num artigo sério, mas não necessariamente certeiro, não é uma pirâmide, uma única pirâmide, que lá encontram. Como é próprio dos ambientes científicos, é um arquipélago, ilhas com diferentes relevos, onde umas vezes ocorrem ligações e noutras se acentuam distâncias. Houve sempre uma “conflitualidade interna” nas ciências sociais, escreveu há décadas Adérito Sedas Nunes. Quem quer opinar, tenha a humildade de se informar.

O lugar de Boaventura de Sousa Santos no CES, na academia e na história que agora está a decorrer sob os nossos olhos é o que ele próprio criou. Pelo bem ou pelo mal. Pelo que demonstrou e pelo que, espera-se, demonstrará, ao falar. Há questões e processos que o transcenderão porque estão na praça pública como ele próprio sempre esteve. São dificilmente sindicáveis. Deixarão o seu rasto. Mas há outros, que constituem acusações, que são também incontornáveis e que são sindicáveis. Há factos que se apurarão e que valerão pelo resultado que um apuramento rigoroso alcançar, seja ele qual for. Nada poderá converter-se em pó. Não serão adaptáveis ao que uns desejem ou ao que outros queiram. Sou amigo de Boaventura de Sousa Santos há quase 50 anos, desde que em 1973 fui seu aluno nas primeiras aulas para os primeiros alunos da Faculdade de Economia. Não renego as amizades porque isso seria renegar a vida. Tal como os sérios episódios que hoje se discutem, a vida toma-se inteira. É essa a prioridade e a urgência.

Tenho a convicção profunda de que o CES é uma instituição capaz de encarar de modo frontal a grave situação que vive, reconhecer e corrigir erros, promover a investigação correta dos factos, honrar as vítimas, punir quem tenha falhado e prevenir solidamente más práticas; dirigir-se e organizar-se de forma capaz e irrepreensivelmente saudável; demonstrar a sua condição de instituição sólida, plural e dotada de espírito crítico. Há cinzas e destroços que não podem deixar de entrar na nova vida, mas é sobre as várias paredes sólidas que sempre formaram o CES que essa vida se reformula.

Este texto podia ter sido escrito há dias. Mas há momentos traumáticos que, causando choque, dor e paralisia, redefinem as prioridades. Escrevo-o hoje e creio que vai a tempo.


 
 
pessoas
José Reis