A conhecida expressão «lutar contra moinhos de vento» é de há muito utilizada como metáfora da intrepidez destinada à derrota e da loucura nascida da fantasia. Alude a um dos mais conhecidos momentos do Dom Quixote de La Mancha, o romance publicado em 1605 por Miguel de Cervantes: aquele em que o sonhador «cavaleiro da triste figura» investe contra as pás dos moinhos de vento, que imaginava medonhos gigantes a vencer, tendo do ato resultado ver-se por terra com lança e armadura despedaçadas. Todavia, logo se recompôs, seguindo o seu destino, sobre o dorso de Rocinante e na companhia do escudeiro Sancho, para continuar a bater-se contra os males do mundo. Desta forma confirmando a grandeza essencial do gesto hoje designado «quixotesco».
O contrário ocorre com os moinhos de ódio através dos quais, para alimentar algum apoio e promover o crescimento eleitoral, entre nós a extrema-direita do Chega mobiliza a parte da sociedade inclinada a apoiar ou a compreender as suas campanhas de disseminação do medo, do rancor e da discórdia. Exemplar é a posição tornada pública perante o crime de sangue perpetrado há poucos dias no interior do Centro Ismaili, logo usado, sem qualquer sustentação argumentativa ou factual, para suscitar a aversão à diferença cultural, a incompreensão das condições em que vive quem busca refúgio no nosso país, e mesmo a relutância para com setores políticos democráticos que têm trabalhado para fazer de Portugal uma terra de acolhimento e integração para quem deles precisa. Como muitos de nós já precisámos.
Esta estratégia apenas produz efeito porque apela ao que de pior existe em muitas pessoas que circulam pelas mesmíssimas ruas e praças povoadas pelos homens e pelas mulheres capazes de sentir compreensão e empatia. Goste-se ou não, existe um bom número de seres humanos mergulhados num cúmulo de ignorância, maldade, racismo, xenofobia, intolerância, defesa da violência perante os conflitos sociais, ausência de empatia pelo outro, incapacidade para entender a diversidade das relações e das consciências em sociedades complexas, que representam um excelente caldo de cultura para os objetivos daquele setor político. Este sabe-o perfeitamente, e por isso se serve dos pretextos mais ignóbeis, como foi agora o caso.
Pior ainda: nas condições de circulação de uma informação sem critérios éticos, e da manipulação de sentimentos primários, será fácil alimentar um tufão de ressentimento e insânia que mova esses moinhos do ódio, levando à subversão pela via eleitoral da própria democracia. Todavia, não serão os meros gestos de desagrado, como o espadeirar quixotesco do fidalgo da Mancha, a impedir que esta ameaça se agigante no horizonte. Sê-lo-á antes uma vigilância constante das forças democráticas, se necessário apoiada na via legislativa, e uma forte capacidade de persuasão de quem está do lado da justiça e da dignidade humana. Assim como uma dose de afirmativa intolerância perante quem as nega e deseja uma sociedade fundada no conflito de todos contra todos. Retomando a antiga consigna antifascista, «não passarão!»