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21-01-2023        As Beiras

Apesar de determinada por episódios recentes envolvendo dois ou três membros de segunda linha do governo do Partido Socialista – de uma forma que, sendo inaceitável, foi artificialmente ampliada pelas oposições, em especial as de direita, empenhadas em generalizar as críticas a partir de casos singulares – existe nas democracias contemporâneas, e na nossa também, um problema sério que pode ser relacionado com esta situação. Diz respeito ao modo como certo número de pessoas, em lugares de responsabilidade pela coisa pública, e que deveriam colocar em primeiro lugar o espírito de serviço à comunidade que determinou a sua eleição ou escolha, se envolvem ao mesmo tempo em atividades que visam sobretudo o rápido enriquecimento pessoal, tornando-se esta uma das fontes da crescente opinião «antipolíticos». 

É certo que a promiscuidade entre política e interesses materiais é tão antiga quanto a história humana – pelo menos, como demonstrou Friedrich Engels, desde a formação das classes sociais – e que a ligação pode não ser em si um crime, mas esta torna-se inaceitável quando existe um conflito de interesses entre os dois domínios. Ou então quando configura uma contradição entre os princípios que se defendem, em nome dos quais a pessoa em causa chegou à função que exerce, e as suas escolhas na corrida individual pelo lucro. Esta contradição torna-se chocante sobretudo em sociedades democráticas, onde a regulamentação da atividade política e a crescente circulação de informação que favorece o escrutínio público, expõem hoje situações que antes permaneciam na penumbra ou eram consideradas mais ou menos inevitáveis.

Não abordando aqui os casos de manifesta ou dissimulada corrupção, que configuram crime e são comuns a todas as épocas e a todos os regimes, um exemplo da relação perniciosa entre política e negócios é aquele que reúne aquelas carreiras políticas que, após algum tempo de exercício, dão lugar, muitas vezes no resto da vida ativa, a importantes cargos na administração de empresas públicas ou privadas. Isto ocorre bastantes vezes em casos em que a pessoa envolvida jamais teve experiência ou formação na área empresarial em questão, sendo geralmente contratada, muitas vezes a peso de ouro, como «facilitador» de contactos ou como gestor que se serve dos mecanismos que conheceu no exercício do anterior cargo político.

Em algumas situações, aliás, esta relação inicia-se ainda durante o exercício deste cargo, embora a ligação raramente seja visível. Neste domínio, uma das práticas usuais é a do lobbying, a atividade de influência por meio da qual um grupo organizado procura, em nome dos seus objetivos e benefícios, interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial nas do executivo, legislativo e autárquico. Esta atividade pessoal, sendo estranha aos preceitos constitucionais definidos para esses diferentes poderes e às competências conhecidas das pessoas neles envolvidas, é frequentemente apresentada, de forma chocantemente legítima e «normalizada». Os proventos dos e das que a ela se entregam funcionam então como acréscimo aos que auferem pelo cargo, residindo aqui a fonte do seu rápido e desmesurado enriquecimento.

Mais do que a legalidade ou ilegalidade dessas atividades, o que está em causa é a forma como elas questionam muitos dos valores em nome dos quais essas pessoas fizeram a sua carreira política, se tornaram conhecidas e estabeleceram uma rede de relações pessoais e institucionais. Assim deslocando a sua intervenção na vida da polis do plano dos princípios de ordem coletiva para o dos interesses individuais. Em In Our Name: The Ethics of Democracy, Eric Beerbohm destaca a forma como nos regimes democráticos o vínculo moral entre governantes e eleitores passa por uma ética de confiança que o voto formalizou. Quando, como ocorre nestes casos, ele é visivelmente quebrado, o pior pode acontecer. Dando lugar à referida opinião «antipolíticos», tão perigosa quanto favorecedora de personagens ou partidos apresentados como providenciais.


 
 
pessoas
Rui Bebiano



 
temas
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