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26-10-2022        As Beiras

Em Agosto de 2015 escrevi n’As Beiras uma nota sarcástica de agradecimento à IP, Infraestruturas de Portugal, por ter feito um press release a informar que se preparava para reabilitar o piso superior da Estação de Coimbra B, arranjar o telhado, pintar e substituir as caixilharias. Em Outubro de 2022, no final da passada semana, fui agradavelmente surpreendido pela notícia, difundida pela Lusa, da visita do Arquitecto Juan Busquets a Coimbra para lançar as premissas essenciais da revisão do plano de 2010, que previa a ligação do centro da cidade à nova Estação Velha. Mesmo cingindo-me àquilo que foi difundido, um conjunto de generalidades como é natural nesta fase, gostaria de comentar o que, no meu entender, se pode depreender nas entrelinhas.

Em primeiro lugar, estamos em face de uma figura de plano que se vem afirmando um pouco por todo o mundo e que a legislação portuguesa ainda não codificou. Algo que se pode designar como projecto urbano e que, se quisermos confrontar com a estrutura normativa portuguesa, diremos que responde a um conjunto de desígnios que nem a obsolescência tosca do loteamento nem a complexa e abstracta vacuidade do plano de pormenor conseguirão alguma vez dar resposta. Não caberá aqui detalhar esses desígnios, darei nota de dois dos mais significativos:

— A resposta integrada a uma multiplicidade de investimentos, privados, públicos, centrais, regionais ou locais, e não só às intenções de um investidor ou de um conjunto de investidores associados. Esta característica permite pôr a cidade acima de todas essas intenções de investimento sem deixar de lhes dar uma resposta satisfatória. Torna-os mais úteis à construção da cidade, sem deixar que, como tantas vezes acontece, os investimentos isolados se assumam como predadores das características urbanas mais nobres.

— A arquitectura urbana está presente desde os primeiros momentos, afirma a sua concretude em simultâneo com os traçados reguladores, não aparece só no final, a ornamentar e conferir volume às linhas abstractas e às normas algorítmicas definidas no plano previamente aprovado. Isto permite, para além do mais, que as/os cidadãs/ãos mais interessadas/os possam ser confrontadas/os desde o início com esta previsão mais concreta do futuro.

Em segundo lugar, e voltando à nota de imprensa divulgada, há alguns pressupostos que, não sendo aí explicitamente proclamados, eu gostaria de salientar:

— A necessidade de conferir dignidade urbana ao nó da Casa do Sal e à entrada na Mata Nacional do Choupal, pode ser que este desígnio leve a tutela do parque a tratá-lo melhor e a reabilitá-lo de forma mais condigna do que o tem feito até aqui.

— A intenção de levar o centro da cidade até à nova central intermodal pressupõe necessariamente a articulação entre os espaços construídos e os espaços de circulação. Ora, se os espaços de circulação são eminentemente urbanos, dedicando-se prioritariamente a transportes em comum, peões e ciclistas, os espaços edificados, mesmo os privados, deverão de igual modo submeter-se à exigência de arquitecturas eminentemente urbanas, qualificadas também em função desse desígnio primordial de expandir o centro da cidade para norte. Quase todas as oportunidades de expandir o centro da cidade têm falhado essa possibilidade, dado o índice construtivo e o tipo de arquitectura eminentemente suburbana que preenche os lotes resultantes (Av. da Guarda Inglesa, Rua do Padrão/ Monte Formoso, etc.). Neste plano, isso é coisa que jamais poderá acontecer.

Mas independentemente de tudo o que subjaz a esta notícia, e por ser justo que aqui o faça, não quero deixar de afirmar a diferença abissal entre a atitude de 2015, em que o que se pedia era “obras na Estação Velha” e o que se obtinha era a promessa de pintura e reabilitação das caixilharias e do telhado. Não quero deixar de dizer, agora sem qualquer ponta de sarcasmo, que a cidade deve estar grata à Infraestruturas de Portugal por ter entendido a grandeza e a importância deste plano para o futuro de Coimbra e para a dignificação da ferrovia, como meio de transporte futurante e competitivo.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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