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14-10-2022        A Tarde [BR]

De belezas reveladas, o teatro e a música são essenciais à vida humana. Compreendem, em suas múltiplas expressões, memórias do vivido e do narrado. Sobretudo, a crítica contida nas entrelinhas. Palavra a palavra, a construção reflete e contextualiza. Algumas ultrapassam seu próprio momento ao conectar e identificar pontos em comum nas distintas gentes.

Acontece em “Cante lá que eu canto cá” (1978), “Ispinho e Fulô” (1988) e “Biblioteca de Cordel” (2000), escritas pelo poeta e repentista Antônio Gonçalves da Silva (1909/2002), Patativa do Assaré. Nascido e criado no Cariri (Ceará), as suas palavras têm a força da cultura nordestina expressa em estilo crítico e peculiar. Cada verbo exige escuta e sensibilidade apuradas, como podemos constatar em “A triste partida” - consagrada pelo “rei do baião” Luiz Gonzaga - e “Meu protesto”; odes que o levaram ao reconhecimento popular e acadêmico.

Patativa ocupa lugar de destaque na peça teatral “Ledores no Breu” (Cia do Tijolo) que, na brilhante performance de Dinho Lima Flor e direção de Rodrigo Mercadante, insinua afetos e emoções partilhadas com plateias que nem sempre são “sabedoras” da iniquidade dos Brasis.

O poeta, entretanto, não está isolado nesta empreitada em favor da emancipação. A trupé convida Paulo Freire e Maria Valéria Rezende, como mestre-sala e porta-bandeira, para elucidar – em prosa e verso – a problemática social brasileira. Foi o que aconteceu na mais recente participação da Cia do Tijolo na Mostra São Palco (O Teatrão, Coimbra/Portugal).

Juntar corpos, temas e autorias é arte-retrato dos “tijoleiros”, tensionando contradições sociais cotidianas (com destaque à violência presente no analfabetismo, no machismo e no racismo estruturais) em mistura de risos e perplexidades, de promessas e de provocações substanciais de/para gentes (na alegoria de mulheres, povos originários, migrantes etc.).

Que sensação boa de “queremos mais” e de orgulho de ver artistas sendo aplaudidos e a plateia ficar para um bis (“desmontagem”). Encantando inclusive pessoas cegas, com audiodescrição e interação frequentes no corpo (dança) e na alma (canto). Saímos do teatro com a sensação dúbia de agonia e êxtase, pois o Dinho Lima Flor desnuda no palco o paradoxo da história colonial em suas duas vertentes: a ideia civilizacional e a reprodução escravocrata.

Em tempos de cortes orçamentais na educação e o menosprezo pela arte/cultura, a Cia do Tijolo é oásis neste deserto de mercantilização da vida. A mensagem de esperança reverbera em nosso ser. Afinal, como diz o samba que abre o espectáculo, “se acontecer de entrar em nosso quintal a palavra tiraria, pegue o tambor e o ganzá e vamos prá rua gritar a palavra: UTOPIA”.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
temas
música    artes    cultura    vida humana    teatro