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03-09-2022        As Beiras

A pessoa conformista aceita sem reagir situações que lhe são impostas e intimamente deveria rejeitar ou contrariar. A disposição que melhor a define é a passividade, temendo sempre que qualquer gesto ou palavra que possa afirmar lhe perturbe o modo de vida. Alinha as suas perceções, crenças e condutas pelas dos outros: encomenda a mesma bebida, adota os mesmos códigos de vestuário ou adere cegamente às escolhas que dominam o grupo a que pertence. O psicólogo social Solomon Asch mostrou que pessoas com este comportamento preferem até dar cobardemente respostas erradas, ou contrariar a sua consciência – como acontece com o triste personagem interpretado por Jean-Louis Trintignant no filme Il Conformista, de Bernardo Bertolucci –, a arriscar a reprovação social, que entendem como via para uma fatal exclusão.

Já o prosélito tende a persuadir o conformista. O proselitismo representa uma forma de conversão de pessoas ou grupos, entendido por quem a pratica como uma incessante missão, destinada a obter um apoio integral a determinada causa, doutrina, ideologia ou religião. O seu objetivo supremo é gerar outros prosélitos, pessoas convertidas à sua orientação, que depois continuam junto de outros a missão de convencimento. Encontramos sobretudo duas grandes formas de proselitismo, a religiosa e a política, que recorrem a técnicas de persuasão antiéticas e muito agressivas, não hesitando com frequência em mentir, deturpar ou caluniar, denegrindo outras ideias e convicções, para de forma mais rápida e eficaz, através da catequização e da total ausência de um verdadeiro diálogo, alcançarem os efeitos que procuram.

O prosélito é socialmente nocivo e perigoso, uma vez que se aproxima do fanatismo e do pensamento único, contrariando as ideias ou escolhas que, por pouco que seja, desmintam o seu programa e as suas certezas. Deste modo, é com frequência um promotor ou um defensor de ditaduras e regimes autoritários, sejam os do passado ou os do presente, e um inimigo dissimulado ou declarado das formas de democracia, se bem que frequentes vezes declare falar em nome desta. Desenvolve a sua missão em nome de ideais sedutores que podem parecer positivos aos olhos do cidadão comum, como os de fé, de salvação, de igualdade, de solidariedade, de justiça, de resistência, de povo, de pátria, de nação, de paz, de progresso, de ordem ou de liberdade, mas que na sua boca acabam sempre adulterados ou diminuídos.

Através da história, encontramos casos de proselitismo sobretudo entre adeptos fanáticos e irredutíveis de certas religiões, ideologias ou causas, ou de determinados partidos e movimentos políticos, em particular entre aqueles que recusam dialogar com todos os que escapam ao seu círculo de influência e aos seus critérios de verdade, rejeitando desde logo os que, por um dia terem dialogado com as suas convicções e delas terem divergido como apóstatas, mais perigosos se tornam para as suas certezas e objetivos táticos. Contra eles estão até dispostos a usar a maior violência, seja esta verbal ou, se as condições o permitirem, mesmo física.

Contra o conformismo e o proselitismo ergue-se o inconformismo. Este consiste numa posição dinâmica, autónoma e arrojada, através da qual o sujeito não se conforma ou submete a algo de que discorda se compreender os seus efeitos e estiver seguro da justeza das suas próprias escolhas. O/A inconformista jamais aceita circunstâncias desfavoráveis ou injustas sem as colocar em causa, como não adere passivamente a modos de ação ou de pensamento apresentados como irrefutáveis. Assegura deste modo o papel emancipador da crítica e a afirmação desse «direito à revolta» de que falou Albert Camus, para quem a atitude humana mais completa passa sempre pelo exercício do contraditório. Sem este esforço, o sujeito não passa «de um polícia ou de um funcionário», agente ou cúmplice de todas as formas de opressão ou de injustiça. O que o inconformista jamais poderá aceitar.


 
 
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Rui Bebiano



 
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