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23-07-2022        Jornal de Notícias

O quadro político que governantes e poderes dominantes, nacionais e europeus, bem como comentadores encartados nos vêm impingindo, e os debates dos últimos dias sobre o “estado da Nação”, mostram-nos preocupantes consensos sobre o verso desse estado, mas ausência da abordagem do seu reverso, ou seja, a não assunção dos problemas e da construção de soluções. Acresce que o velho passa-culpas da invocação de crises para impor sacrifícios aos povos, encontra o cenário perfeito para a sua utilização: a conjugação dos impactos da pandemia, com os do clima belicista acelerado pela invasão e guerra na Ucrânia e os resultantes da brutal degradação climática.

Esta semana, vimos que o verso do estado da nossa Nação continua a assentar na crença na eficácia e natureza democrática da UE, e é marcado pelo reconhecimento consensualizado de que “o país vive pior que há um ano”. Todos reconhecem que a inflação este ano comerá 1/14 avos dos salários e pensões. Na versão da Direita “o SNS está em colapso”, na versão do governo está perante “grandes desafios”. Para o governo, a resposta ao agravamento das condições de vida e da pobreza pode ser “garantida” por subsídios e apoios pontuais às famílias e pessoas necessitadas; para o PSD é preciso um programa de “emergência social” que aprofunde a lógica dos apoios do governo no sentido de institucionalizar a caridade pública. Uns e outros secundarizam os salários e a necessidade da sua atualização face à inflação.

Quando olhamos para o reverso do estado da Nação, o que vemos a influenciar o nosso futuro?

A UE - onde estamos muito dependentes - colocada como instrumento da defesa da hegemonia global dos EUA na sua luta contra o grande desafiador que é a China, será crescentemente secundarizada e acantonada, aniquilando expectativas dos povos europeus nesse projeto comum, que dava enfoque à justiça social e aos direitos humanos.

Se os governantes dos países europeus continuarem a iludir-se, repetindo que a “europa está mais unida que nunca”, mas esquecendo-se dos cidadãos que os elegem e a quem têm de responder, teremos os governos a estoirar uns atrás dos outros e os fascismos a avançar. A União Europeia (UE) terá cada vez mais “passageiros clandestinos” no seu comboio e tornar-se-á ingerível ou antidemocrática. Neste quadro, os problemas para Portugal não serão apenas preparar-se para “viver sem fundos comunitários”. O nosso modelo de sociedade estará em causa, mesmo que o “projeto europeu” não descarrile totalmente.

Dois exemplos de tensão comprometedora. Primeiro, o fosso remuneratório entre trabalhadores da Administração Pública e do setor privado - para funções semelhantes - não para de se aprofundar, destrói o SNS e a Escola Pública, corroí as estruturas mais profundas do Estado, desde a defesa à segurança ou à justiça. Segundo, a insistência na conceção de que os problemas do emprego se resolvem pelo lado da oferta da formação, secundarizando o facto de muitas empresas não apresentarem condições para acolher trabalhadores mais qualificados, favorece a fixação de um baixo perfil de especialização da economia, alimenta a exploração de imigrantes e a emigração, mata o sistema de relações laborais, bloqueia o desenvolvimento.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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