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06-07-2022        As Beiras

Volto à baila com a questão da densidade do centro da cidade, para relembrar a Alta, a Baixa e todo o centro mais alargado da cidade de Coimbra. O que mais me interessa neste processo, insisto, não é a nostalgia de recordações mitificadas pela decadência do presente, mas antes reflectir sobre todo o passado, inclusivamente o que levou a este estado de coisas, para preparar, prevenir e prefigurar o seu futuro, com coerência e responsabilidade. Em suma, para elaborar um projecto.

A primeira atitude nesse sentido pode ser a identificação das causas primordiais da situação actual, do que levou à desertificação desses espaços outrora densos, plenos de gente, de atividade económica e comercial, de vida, de emoções humanas. Essas causas são complexas e muito diversificadas,, embora intricadas, entre si. Por facilidade de explanação, no espaço reduzido desta crónica, referirei aqui apenas algumas das mais importante: - a terciarização excessiva, que anula paulatinamente os espaços habitacionais; - a especulação fundiária, que incide sistematicamente sobre os espaços centrais e expulsa os habitantes para as periferias mais ou menos remotas; - o mito e o glamour da vida suburbana, a ilusão de mais espaço “livre” e de maior aproximação à designada “natureza”; - a incompetência arquitectónica para resolver programas e conceber “contentores de vida” em contexto urbano denso; - e por fi m, mas não menos importante no caso de Coimbra, um planeamento baseado em aparatos normativos abstractos, decalcados de modelos urbanísticos muito diferentes da nossa realidade, cuja escala, forma e enquadramento sociocultural nada têm a ver connosco. Todas estas situações foram, ao longo dos anos, gerando o estado de esvaziamento e de consequente decadência dos espaços centrais.

Estas causas, enredadas de modo complexo, trazem consigo a impossibilidade de encontrar espaços residenciais acessíveis no centro; trazem a escolha preferencial de habitações suburbanas; trazem o abandono de equipamentos do centro da cidade, centros de saúde, lares de idosos, estações de caminho de ferro, esquadras de polícia, bombeiros, escolas, prisões, serviços assistenciais, etc. Isto aconteceu muito em Coimbra, diria mesmo, sobretudo por parte de entidades com responsabilidade pública. Mas estas causas não podem também deixar de se associar a um planeamento assente exclusivamente em infraestruturas rodoviárias combinadas com índices abstractos, acções tecnicamente canonizadas mas culturalmente vazias, sem a mínima capacidade para construir e potenciar cidade em espaços urbanos centrais. São raras as excepções a este estado de coisas.

Saúda-se por isso a intenção, por parte do actual executivo, de intervir ao longo da frente norte da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, entre a antiga Manutenção Militar e a esquadra da polícia, incluindo nessa intervenção a Escola Jaime Cortesão e o lugar da antiga torre de Santa Cruz. Espera-se que o programa dos novos equipamentos a criar, em conjunto com o aumento de oferta de transportes colectivos, leve mais pessoas, mais vida para esta importante porta de entrada na Baixa. Em frente, na encosta norte da Alta, fica o Arquivo Municipal, cujo acervo é de um valor inestimável para a cidade e para o país, e que necessita urgentemente de ser ampliado, precisa de ser dotado de condições técnicas, de conforto e acessibilidade, consentâneas com a contemporaneidade. Espera-se, eu pelo menos espero veementemente, que essa necessidade de ampliação, renovação e requalificação seja feita in situ — há capacidade para o fazer — e o desejável seria mesmo um projecto urbano comum, que integrasse e servisse de esteio coordenador de todas estas intervenções.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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