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11-05-2022        As Beiras

A grande maioria dos ainda designados “clubes” de futebol profissional, que movem paixões e consolidam identidades, começaram um dia por representar comunidades que se queriam rever na projeção da visibilidade para o exterior, para um plano mais global. A “tradição” vem depois, decorre das sucessivas práticas, quotidianas ou festivas, e quanto mais forte e mais identitária for, mais facilmente se renova e reforça com o decorrer do tempo. Não é preciso ir mais longe, à escala dos países é a mesma coisa. Hoje como na década de 1960, quando nós, portugueses, vamos a qualquer lado mais distante e nos perguntam de onde somos, a conotação é inevitavelmente futebolística e nós, eu pelo menos, deixamos que os pequenos e os grandes momentos que gostamos de viver aqui nos aflorem à pele e nos causem aquele subtil arrepio. As identidades também se constroem sobre estas pequenas sensações.

Para ir ao essencial desta crónica deixo de parte o mesquinho status quo do sistema clubístico nacional, tão empolado quanto insignificante no contexto global. Por tão monótono que é, muito mais insignificante do que o de algumas nações com massa demográfica semelhante, ou até inferior.

Mas vamos a Coimbra, uma vez mais, e vamos discernir desapaixonadamente. Sei que é difícil, para muitos, mas vamos tentar fazê-lo. A Académica enquanto clube de futebol nasce da relação com a academia, não existem dúvidas. Os estudantes eram a elite nacional e viam-se também representados na elite do futebol. A cidade, também ela mais representativa do que hoje no plano nacional, envolveu-se sempre nessa representação. Pese embora a honrosa existência de outros clubes — esse grande União de todos os tempos, particularmente o de 1972-73 — os corações, tantas vezes os mesmos, dividiam-se entre eles. No auge dos êxitos desportivos, o elã entre a Académica, a cidade e a região era total, em 1939 como em 1967, em 1969 como em 2012 e em tantas outras circunstâncias. A identidade reforça-se com o que é mais visível para o exterior, com os êxitos desportivos por exemplo, não com “tradições” inventadas, encriptadas e — tantas vezes ilegitimamente — apropriadas por determinados grupos.

Hoje os estudantes estão longe de ser a elite nacional e a cidade está cada vez mais longe da representatividade de outrora. Portanto, se quisermos manter essa identidade, e eu quero, temos de ter a humildade de fazer o que foi feito pela quase totalidade dos outros clubes, ir em busca dos êxitos desportivos de modo profissionalizado. O símbolo é maravilhoso, a “tradição” é relativamente fácil de se reposicionar, mas a identidade está muito debilitada e é necessário trabalhar arduamente para a readquirir. Sei bem que esse é um caminho difícil, sobretudo porque a entrada em cena do profissionalismo exacerbado corre o risco de banalizar as práticas e de mitigar as nossas especificidades. Mas para isso é que também são necessárias equipas de gestão com noção da realidade contemporânea e equipas de comunicação altamente profissionalizadas, no mínimo tão profissionais quanto as desportivas e se possível mais competentes, equipas que compreendam todo o significado do que nos torna realmente específicos e o aprofundem e divulguem ainda mais. É, por isso, necessário e urgente seguir os caminhos dessa via. Não é garantido que resulte, vai ser preciso trabalhar sempre no gume da perfeição.

O Dr. Campos Coroa, a quem aqui presto homenagem, ao longo de uma vida dedicada á Académica, soube sempre entender esta questão de modo integrador e holístico, realismo contemporâneo sem perda de valores e uma identidade para a cidade que também integra a academia.

Paulo Archer escreveu em 2012, no Jornal do Fundão, a magnífica crónica intitulada, “O meu coração é preto”, eu quero aqui também prestar homenagem a essa genuína e poética demonstração de amor a uma causa clubística, sem nenhuma espécie de deturpação depreciativa deste qualificativo. Acrescento-lhe o “ainda” porque, muito sinceramente, no caminho que a Académica OAF tem de fazer daqui para a frente, só vejo uma possibilidade, que é também a que está, por agora, em cima da mesa. É isso ou o esvaziamento gradual, nada bom para a academia, péssimo para a cidade e para a região.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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