Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e um dos «pais fundadores» da nação americana, escreveu pelos finais do século XVIII que, em democracia, as maiorias dependem mais do grau de participação de quem lhes dá forma que da mera soma dos votos que as produzem. Tantos anos depois, esta afirmação – mesmo tendo em conta que o conceito de democracia de Jefferson se encontra hoje muito datado – mantém a sua grande justeza. Isto tem sido comprovado por um grande número de experiências, do passado e do presente, nas quais a maioria dos votos concedidos em eleições a um partido ou a um candidato, por não corresponder a um efetivo compromisso político da maior parte dos cidadãos que a exprimiram, acaba por desvalorizar a própria democracia.
O exemplo mais vezes referido é o da Alemanha da República de Weimar, onde em 1932, nas eleições de junho e de novembro para o Reichstag, capitalizando uma situação de crise económica e de desmoralização dos cidadãos, e coagindo a opinião pública pelo uso da violência e da demagogia, os nazis obtiveram uma ampla maioria traduzida em mais de um terço dos votos expressos, alcançando o poder no ano seguinte e acabando de imediato com o sistema representativo. Não precisamos ir tão longe, todavia, para recolher outros exemplos desta perversão. Em Portugal, durante o Estado Novo, sucessivas maiorias de votos, obtidas em eleições fraudulentas, sem quaisquer campanhas com livre exposição de argumentos e de propostas, serviram para legitimar o poder ditatorial de Salazar e impedir durante décadas uma via democrática.
Se o embuste das eleições que legitimaram ditaduras é de fácil constatação, já o mesmo não acontece em atos eleitorais produzidos sob regimes alicerçados no sistema representativo e numa liberdade formal, mas onde a mobilização política dos cidadãos se encontra, na verdade, fortemente desvalorizada. As causas podem ser de diversa natureza. Eis algumas: a tendência para confinar a participação política às campanhas eleitorais; o desinteresse de partidos e instituições em mobilizar o debate, trocado por um pragmatismo imediatista; a desmobilização ou o «aparelhismo» de certos movimentos sociais; a concentração das campanhas eleitorais em rostos e promessas, não em ideias e projetos; o destaque conferido pelos meios de comunicação social ao ruído da «pequena política»; a confiscação da verdade por alguns governos; a propensão, potenciada pelos populismos, para trocar o cidadão informado pelo mero «seguidor».
Nestas condições, a participação dos eleitores tem em muitos lugares passado por quase automáticos momentos do voto, separados por letárgicos períodos de indiferença. Em plena campanha para as legislativas, é importante que, independentemente das suas escolhas, os homens e as mulheres que prezam o nosso regime democrático e as conquistas que este tem promovido ao longo de já quase meio século, assumam que o seu voto não pode ser algo de irrelevante, mero «cumprimento de um dever», mas uma ocasião fundamental de participação na coisa pública. Por isso, não só deverão mesmo votar, como deverão fazê-lo de forma consciente e participativa. Isto é, rejeitando a demagogia dos slogans e as ameaças de retrocesso, e apoiando propostas realizáveis, capazes de garantir a gestão democrática, solidária e progressista de um destino que é comum.