Tem estado em crescendo a campanha promocional de soluções políticas de "centro", a banha da cobra moderna com poderes curativos para todas as maleitas do país e dos portugueses. A experiência política dos últimos seis anos, em que tivemos governos do Partido Socialista (PS) com apoios parlamentares à sua esquerda, tirou o sistema político português dos seus velhos eixos. O êxito da solução, a confiança e a estabilidade política geradas, desarmaram os defensores do grande centrão de interesses. Agora, a queda do Governo e o cenário eleitoral permitem-lhes sair da toca e passar ao ataque.
Viu-se no congresso do PSD que o programa político da Direita se resume a ganhar o PS para regressar ao que "é normal", ou seja, a um regime de simulação de divergências, de onde saem "governos normais": umas vezes do centro-esquerda com o consentimento do centro-direita; outras vezes do centro-direita com o consentimento do centro-esquerda; e, em caso de grande necessidade, com o centro bicéfalo fundido num bloco. No PS não faltam encantamentos por este velho concubinato. E a União Europeia incentivará o concúbito.
A "normalidade" é descrita como um sistema simétrico que tem dois extremos, o da direita e o da esquerda, pretensamente em equidistância do centro. Sem um mínimo de rigor na análise, os dois supostos extremos são considerados, de forma igual, forças do mal. Trata-se de uma monumental cabala. Os extremismos surgem mais à esquerda ou mais à direita conforme os contextos e períodos históricos e, hoje, nos planos global, europeu e nacional o perigo é a extrema-direita e o fascismo que atentam contra as liberdades e a democracia, que espezinham valores humanos. Por outro lado, catalogar o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista como forças da extrema-esquerda é um absurdo. São forças do Regime Democrático, empenhadas nos seus valores e instituições, com propostas políticas bem moderadas.
Ao longo de décadas, o centro que governava e o centro que consentia - com uns ou outros no poder - convergiram nas negociatas associadas às privatizações e à financeirização da economia; sintonizaram-se na destruição da ferrovia que tanta falta nos faz; acertaram-se para esvaziar o interior do país, retirando de lá serviços e estruturas em nome dos ganhos financeiros da centralização; posicionaram-se muitas vezes de cócaras e mãos dadas, perante a União Europeia; consertaram-se no enfraquecimento dos direitos laborais e sindicais e na promoção da precariedade, o maior inimigo da juventude; persistiram sintonizados na promoção da matriz económica de baixos salários e baixo valor acrescentado.
Os grandes avanços alcançados em democracia, como foi o caso, entre outros, da criação do Serviço Nacional de Saúde, da afirmação do Sistema Público e Universal da Segurança Social, ou de novos direitos inerentes a avanços civilizacionais, foram conquistados, em regra, em confronto com a Direita que também começou por os classificar como extremismos.
António Costa afirma que é preciso "continuar o caminho". Sim, se retomados os ideais de partida que justamente entusiasmaram a sociedade. Para dar eficaz combate à pandemia e assegurar uma recuperação que não é só económica, mas sim socioeconómica. O "caminho" não foi um exclusivo do PS. Então, é necessária uma maioria plural partilhada pelos parceiros à sua esquerda, com força e não como pequenos apêndices.