A comunicação do Presidente da República (PR) em que transmitiu a sua decisão de dissolver o Parlamento e convocar eleições para 30 de janeiro, cuja legitimidade não está em causa, merece, contudo, algumas observações, sem que fiquemos a chover no molhado no que se refere à data, ou quanto ao portefólio de soluções possíveis para a crise por ele instituída, ou ainda sobre a sua conceção abstrata de estabilidade.
Marcelo não é aquela figura que de espectador/analista simpático e bem-humorado, equidistante em tudo que, com o alto patrocínio e apoio das televisões, habilmente criou na sociedade. É sim um ator político com profundas raízes na Direita, fortemente ativo. Na comunicação da passada quinta feira, com maestria, promoveu a solução política que ambiciona, a de centrão, e procurou encostar um pouco mais à parede o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português.
Agora temos pela frente um quadro de preparação de eleições. O cenário de partida com que nos confrontamos é de alguns grandes bloqueios. Uns resultam de fatores externos, como o facto de as políticas monetárias, cambiais e orçamentais da União Europeia (UE) estarem estruturadas para os países do Sul subsidiarem os do Norte, embora parecendo o contrário. Outros bloqueios são de exclusiva responsabilidade nossa. Contudo, para uns e outros, somos nós, portugueses, que temos de encontrar saídas. E não é impossível: a Espanha é, como Portugal, membro da UE e, ainda recentemente, avançou com alterações positivas nas políticas laborais que a nossa Direita diz serem impossíveis.
A toda a hora as forças políticas invocam o interesse nacional para justificarem as suas opções. Escalpelizemos o que cada uma dessas proclamações traz de respostas concretas aos problemas que enfrentamos. A distribuição dos meios disponíveis para investir tem de ser equilibrada e justa quanto aos destinatários. E os compromissos para produzir riqueza devem acompanhar a definição geral de como será distribuída. Há que colocar a nu o que muitas vezes é pretendido com o enfoque exclusivo no crescimento e na competitividade.
Como rompemos com este bloqueio em que qualquer proposta de saída para os grandes problemas surge logo cercada pela ameaça de mais dívida e dependência? Todas as forças políticas e económicas afirmam que é preciso pôr de lado o baixo perfil da nossa economia, muito suportado por baixos salários e baixa qualidade do emprego. Mas, quando se fala de disponibilização de meios para investir, a Direita e uma parte dos empresários, foca-se apenas no negócio, pouco se importando com a melhoria de posição nas cadeias de valor ou com o que cada um desses negócios beneficia o país. Há setores patronais a clamarem por mais imigração, todavia, é claro que não o fazem por razões humanitárias - que sempre devemos respeitar e valorizar -, mas porque veem aí uma forma de continuarem com políticas de baixos salários.
Temos de forçar o esclarecimento sobre aquilo que representa substancia para a vida das pessoas, para a melhoria de condições das estruturas que nos podem garantir a prestação de direitos fundamentais, para um funcionamento bom e responsável das empresas, para uma economia saudável, para a democracia plena.
A sociedade portuguesa tem de se agitar e agigantar neste quadro das eleições e também depois, se queremos sair da cepa torta.