A pobreza é, talvez depois da guerra, o maior obstáculo ao desenvolvimento. A sociedade portuguesa, que foi capaz de tomar em mãos os instrumentos conquistados com a democracia e sacudir o Portugal salazarento, pobre e profundamente atrasado, galgando patamares de progresso em múltiplos campos, vem-se agora arrastando ao longo de algumas décadas, incapaz de erradicar da pobreza uns persistentes 17 % a 20 % da população.
Registamos ganhos pontuais momentâneos, mas, no geral, apresentamo-nos tolhidos e atados, incapazes de progredir, independentemente da evolução da economia ou dos ciclos políticos. Persiste um grupo social amplo pobre, que engloba mais de 10 % do total dos trabalhadores, uma parte significativa de idosos pensionistas, e as crianças das famílias destes dois conjuntos de pessoas.
A pobreza é uma desgraça, tem de ser tratada como tal, mas jamais pode ser aceite como fatalidade. As Nações Unidas, os líderes de diversas culturas e religiões, como por exemplo o Papa Francisco, dizem, insistentemente, que "a pobreza não é um desígnio mundial" e que são necessárias políticas estruturais dirigidas ao comportamento e às condições dos que não são pobres (desde logo aos ricos), com a consciência de que há que encetar transformações profundas da humanidade. Numa perspetiva conjuntural são louváveis as ações que atenuam as carências e os sofrimentos causados pela pobreza, mas confundir tais atitudes com o combate estrutural é hipocrisia pura.
Não se combate a pobreza com caridadezinha e com prestações pobres para os pobres.
É preciso tratar o pilar das políticas sociais respondendo às manifestações da pobreza com respostas robustas, por exemplo nos meios de apoio aos idosos e às crianças ou na proteção aos desempregados e, em simultâneo, atacar as suas causas profundas: desenvolvendo políticas públicas ofensivas que entram pelos campos da economia e da política fiscal; assegurando a prestação dos direitos universais a todas as pessoas nas áreas da saúde, do ensino e da habitação; garantindo regulação e efetividade das leis laborais, salários dignos e melhor qualidade do emprego; travando um forte combate cultural que leve a sociedade portuguesa a não ser tolerante perante a pobreza.
Os Orçamentos do Estado são expressões das nossas escolhas como sociedade e da coerência política com que encaramos os problemas.
O tempo da sua discussão constitui um momento propício para uma abordagem profunda dos caminhos para a erradicação da pobreza. Porque se trata de um processo transformador, é indispensável um bom diagnóstico e coragem política.
A tese de que primeiro se trata da criação da riqueza e depois das formas de a distribuir é uma das maiores trapaças com que se alimentam as políticas de baixos salários, a libertinagem contratual que raia o criminoso, as desigualdades e a pobreza. A distribuição da riqueza trata-se no momento em que se discutem as formas de assegurar o seu crescimento. Só esta simultaneidade possibilita compromissos entre as partes, através do diálogo e da negociação coletiva, para que o trabalho seja mais produtivo e a segurança social mais robusta.
A destruição progressiva da negociação coletiva, que já leva quase duas décadas, e a não atualização regular e justa das pensões de reforma e de prestações sociais estruturantes são os fatores que, provocando uma harmonização no retrocesso, mais alimentam a "eternização" da pobreza no nosso país.