No passado mês de março, a Altice anunciou, como resultados da sua atividade em 2020, a liderança no serviço de televisão por subscrição e o crescimento da receita para 2 121,2 milhões de euros. Uma parte dos seus ganhos resultou de esforços acrescidos que as pessoas, a maioria das empresas e o Estado tiveram de fazer nas respostas aos duros impactos da pandemia. O setor a que pertence a Altice é um dos que beneficiou com o novo contexto. O seu êxito tem pouco a ver com as altas competências de que os seus gestores se gabam.
A Altice é protagonista de várias outras lideranças. No final do mês passado anunciou o primeiro despedimento coletivo na história da “PT”, invocando o “ambiente regulatório hostil, a falta de visão estratégica do país, o (…) atraso do 5G, bem como a má gestão deste dossier”, como um dos argumentos chave para despedir cerca de 300 trabalhadores, utilizados como carne para canhão no fogo cruzado da Altice com a Anacom e com o Governo.
Na passada semana, o Secretário de Estado da Segurança Social afirmou que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) fez, nos últimos 6 anos, 269 visitas inspetivas à empresa, das quais resultaram 101 contraordenações e coimas de mais de 422mil euros. Foi um custo muito reduzido, pois, em agosto de 2017, a ACT tinha elaborado um relatório acusando a empresa de assédio moral estratégico. As contraordenações daí resultantes poderiam chegar a perto de 5 milhões de euros. A Altice está, sem dúvida, no pelotão da frente do assédio moral.
A Altice é herdeira da PT, empresa que, desde os anos noventa até ao início da segunda década deste século (com o processo de privatização pelo meio), esteve no centro de um lamaçal de compadrios e promiscuidades geradoras de uma fatura pesada para os portugueses, para muitas empresas, para a economia nacional e o desenvolvimento do país. Essa posição de vanguarda prossegue, com acrescento de novos caminhos de chantagem?
O país não pode condescender com despedimentos decididos por unilateralismo patronal, em processos que se escudam, desavergonhadamente, em desavenças com o regulador e em engenharias financeiras que dividem os prejuízos e os lucros para esta ou aquela empresa do grupo, consoante é mais conveniente.
Nos últimos tempos, as cessações “por mútuo acordo” atingiram um número tão considerável que a Altice já esgotou as quotas que permitem o acesso ao subsídio de desemprego nessas situações. O setor das telecomunicações é daqueles onde a aplicação de novas tecnologias melhor pode produzir efeitos complementares ao trabalho humano, promovendo o emprego e o crescimento da produtividade. Todavia, o caminho seguido tem sido o de reduzir o emprego com vínculo à empresa, substituir os trabalhadores mais velhos por jovens com salários baixos e sem direitos, externalizar atividades. Hoje não trabalham para a Altice menos trabalhadores que os que tinha a PT no seu início, mas os que têm vínculo direto à empresa são menos de um terço dos que existiam com esse vínculo, nessa altura.
Merecem solidariedade as lutas dos trabalhadores da Altice, designadamente a sua greve do próximo dia 21. Há que travar estas práticas atentatórias do interesse nacional e das leis, impostas sem ética ou réstia de responsabilidade social, que esvaziam os cofres da Segurança Social e dão origem a um ambiente laboral de insegurança e desconfiança à escala nacional.