Teve lugar há poucos dias em Lisboa a convenção do Movimento Europa e Liberdade, um agregado de personalidades, partidos e setores do centro-direita e da extrema-direita que se propôs debater ali o que designou «uma alternativa aos 25 anos de socialismo em Portugal», considerados pelos promotores da iniciativa como «um sinónimo de empobrecimento do país». Poderia pedir, a quem teve a ideia, algo tão primário como uma definição de socialismo, ou uma comparação documentada entre esse suposto «empobrecimento» e aquele, bem real, que Portugal conheceu durante o último governo PSD/CDS, mas este não é espaço para o fazer.
Em «A Era do Vazio», de 1983, Gilles Lipovetsky abordou a vaga de individualismo que então tomava conta da Europa e das Américas. Mostrou ali de que modo, numa época caracterizada pelo excesso de informação e o culto da exuberância – e ainda por um acentuado recuo das narrativas da modernidade que tinham atribuído um sentido ao percurso da história – a substância das ideias e dos projetos tinha cedido o lugar a um triste vazio, concebido como um território organizado de forma desconexa e desprovida de metas mobilizadoras. Alguns intérpretes da pós-modernidade, como Bell ou Fukuyama, chegaram a sugerir que esse estado de coisas corresponderia ao «fim das ideologias», que por sua vez determinaria um «fim da história». O progresso dissipar-se-ia e a gestão do presente seria a única experiência possível.
Esta leitura teve curta duração. Com a deriva neoliberal aberta na década seguinte, em boa medida na origem da crise financeira de 2008, e com o rápido colapso do mundo unipolar que sucedeu à Guerra Fria, a contestação global das desigualdades do capitalismo voltou a ganhar forma, reabrindo a dinâmica dos movimentos sociais e o debate sobre a construção de alternativas. Desta vez, já não no sentido de produzir uma sociedade ideal – ou distópica, consoante a perspetiva –, orientada por um partido de vanguarda, mas desenvolvendo formas de organização política nascidas dos processos de luta e emancipação levados a cabo por esses movimentos. Sob estas condições, a morte das velhas ideologias e das antigas certezas afigurava-se agora, escreveu John Holloway, como uma libertação.
Ao mesmo tempo, este movimento enfrentava o ressurgir dos programas da direita mais extrema, apoiados em formas de nacionalismo, de populismo, de racismo e xenofobia, ou de defesa do papel das elites financeiras, que, sob diferentes rostos e associadas a uma defesa despudorada do retrocesso do Estado social, buscavam aproveitar em seu proveito – com o apoio desse novo fator de persuasão e controlo que é a comunicação digital – as situações de descontentamento ou de frustração que o próprio sistema gerara. Instigando a criação de paisagens políticas autoritárias, apoiadas na ignorância e na desmemória, como as protagonizadas pelos governos de Trump, Bolsonaro ou Órban.
O que aconteceu na convenção caseira da direita foi uma revisitação multifacetada daquela atração pelo vazio em voga nos anos oitenta do século passado. Mas também uma tentativa algo ficcional de aproximação a esses exemplos. Basta olhar os sinais do evento que chegaram através da imprensa e dos telejornais para darmos conta de uma mistura decrépita de nostalgia da ditadura salazarista com a ausência de uma visão de futuro e a falta de projetos credíveis de governo, a par da visível impotência perante as sondagens que apontam para uma confortável maioria de esquerda. Tudo embrulhado, sendo isto o que é verdadeiramente inquietante, com laivos de retórica decalcados dos grandes ilusionistas do populismo.