O conclave que esta semana juntou representantes da quase totalidade das subfamílias da direita e da extrema direita tem sido analisado, em vários quadrantes, de forma algo ligeira a partir de um facto incontestado: ali não se discutiram ideias que respondam aos grandes problemas com que se debate a economia e a sociedade portuguesas. Todavia, puderam observar-se factos que merecem reflexão, não pelo impacto imediato que têm, mas sim pelos quadros perigosos que podem perspetivar.
Uns séculos atrás, num dos contextos políticos mais críticos que Portugal viveu ao longo da sua história, teve força a crença no miraculoso regresso de D. Sebastião. Como Deus não se mete nestas coisas jamais tivemos o Desejado, mas como obra do Diabo talvez a coisa possa acontecer. Neste encontro não faltou um candidato a desejado e não deixou de pairar na sala forte vontade de uma intervenção do mafarrico, que o faça regressar numa manhã de nevoeiro.
Realço cinco factos que nos evidenciam a situação política atual como mais complexa e difícil que a aquela que tínhamos em 2015: i) na direita tradicional uma parte está mais aberta à extrema direita e outra já a integrou em dinâmicas partilhadas; ii) a evolução da situação política da União Europeia (UE) reforça este processo, e a União tem hoje problemas maiores que tinha naquela altura; iii) à esquerda existe menos motivação e são menores as predisposições para compromissos entre as suas diferentes componentes; iv) os condicionalismos sociais, económicos, financeiros e orçamentais com que o país se depara são mais pesados; v) em 2015 iniciava-se uma nova governação com objetivos e metas programáticas para uma legislatura (mesmo que posteriormente se tenham mostrado insuficientes), o que criava dinâmica, quando hoje temos um governo bastante desgastado, com vários membros a confirmarem o princípio de Peter e a confundirem governação com gestão de agendas do dia.
Quem conclui que a direita não tem programa, ou que “a realidade lhe retirou o programa” pode estar a laborar em dois erros convergentes. Primeiro, é mais que evidente a fidelidade programática da direita às políticas de austeridade impostas na crise anterior e a sua predisposição para uma ofensiva contra os direitos e liberdades democráticas e contra o Estado na sua função de garante dos direitos sociais fundamentais: não o podem expor por agora porque os impactos da pandemia ainda estão muito vivos nas pessoas e mostraram a violência e a injustiça dessas políticas. Segundo, esta evidência pode evaporar-se rapidamente perante a inexistência de respostas do governo nos planos do trabalho, do emprego, das políticas económicas e sociais, ou face a inversões de sentido súbitas por parte da UE, ou ainda, se houver um acentuar de desentendimentos à esquerda.
Quase todas as análises concluem que o vazio de propostas que o encontro da direita e da extrema direita mostrou se consubstancia numa vitória de António Costa. Poderá ser, desde que o Primeiro Ministro não se entregue ao papel de lebre na fábula de Esopo “A lebre e a tartaruga” e tome a sério a possibilidade de surgir uma intervenção do príncipe das trevas.
É indispensável que António Costa coloque o foco de toda a sua capacidade de análise e ação nas respostas aos problemas dos portugueses e não se deixe atrair demasiado por taticismos de gestão política.