Tudo o que vivemos nos últimos 14 meses convida-nos a gritar bem alto neste 1.º de Maio: vivam os trabalhadores e os seus direitos e deveres, e viva o Estado Social de Direito Democrático.
A vida de quase todos nós foi difícil, tivemos a dor provocada por milhares de mortos e acumularam-se debilidades a que é necessário dar atenção, mas teria sido um inferno sem a dedicação, resistência e criatividade dos trabalhadores e se não dispuséssemos de um Serviço Nacional de Saúde capaz, de um Sistema de Segurança Social Público e Universal, ou de instituições públicas, órgãos de soberania e leis democráticas: apesar das muitas deficiências e erros verificados.
Reforçou-se a evidência da centralidade do trabalho na definição da qualidade de vida de cada cidadão, confirmou-se uma relação profunda entre o trabalho, o emprego e a proteção social, e entre a quantidade e qualidade do emprego e o progresso da sociedade. O 1.º de Maio é comemoração, afirmação de identidades coletivas e solidariedade, denuncia de injustiças, apresentação de novas reivindicações. Neste 1.º de Maio afirmemos, em primeiro lugar, a solidariedade com todos os que ficaram no desemprego ou nele podem cair a curto prazo, reivindicando não só melhor proteção, mas também políticas e investimentos que dinamizem a economia portuguesa e capacitem o Estado para a prestação dos direitos fundamentais às pessoas.
No próximo dia oito realiza-se, no Porto, a Cimeira Social (com enfoque no Pilar Europeu dos Direitos Sociais), evento que o governo definiu como o principal da atual Presidência Portuguesa da União Europeia (UE). Saudemos o tema, mas reflitamos sobre o estado da arte. Há ou não política social da UE? Há sim, e má. Manifesta-se nas orientações inscritas no designado Semestre Europeu, e está instituída através das recomendações impositivas das políticas económicas e financeiras que impulsionam a liberalização, a precariedade e o reforço unilateral do poder patronal.
Por outro lado, a relação de forças a nível europeu tem colocado o que resta da social democracia a fazer as propostas sobre a política social europeia, permitindo-lhe vitórias na proclamação de objetivos gerais, desde que fiquem assegurados os mecanismos com que a Direita e o poder económico/financeiro prosseguem a erosão dos direitos laborais e sociais em diversas escalas.
Existem fortes razões para preocupação. António Costa disse, em novembro passado, que as mudanças sociais causadas pelas transições digital e climática "geram uma profunda angústia e medo - fatores que têm sido pasto importante para florescer o populismo nas suas vertentes nacionalistas, xenófobas e iliberais". Ora, sendo verdadeira a caraterização do populismo atual, é bastante falsa a origem invocada, já que ela se encontra nas desastrosas políticas das últimas décadas que liberalizaram e precarizaram o trabalho, destruíram a indústria, promoveram o desemprego, financeirizaram a economia, acentuaram desigualdades e injustiças, geraram pobreza. A resposta às alterações climáticas será muito mais eficaz se houver emprego e justiça social.
A tática política de invocar medos sobre o futuro, para esconder a falta de resposta aos problemas reais do presente contínuo, é feia, mas está aí. Por exemplo, no "Livro Verde sobre o trabalho do futuro", dá-se mais destaque aos "nómadas digitais" do que às condições de trabalho dos imigrantes e às da esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses, que têm baixos salários e não dispõem de uma negociação coletiva séria e progressista.