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06-02-2021        Jornal de Notícias

O discurso político a nível nacional, europeu e mundial está carregado da afirmação: a saúde está acima de tudo. É uma proclamação bondosa que as práticas políticas, em grande medida, desmentem.

A colocação das respostas a necessidades fundamentais dos cidadãos na gaveta funda, o egoísmo e a supremacia do deus lucro, são demolidores. Nas agendas dos países ricos, a preocupação com a saúde dos povos dos países pobres nem sequer merece um registo de rodapé.

Na gestão das finanças do nosso país instalou-se a virtude, velha e tacanha, do aparente poupadinho. Não importa que se agravem problemas na saúde, na educação, na proteção aos mais necessitados, ou se acentuem os desequilíbrios entre regiões. Desde que se garanta o "bom" funcionamento do sistema financeiro, se assegure estabilidade a poderes dominantes, se executem as imposições comunitárias, se invoque que são opções para conter o défice e a dívida, tudo está certo: o povo que aguente.

O primeiro-ministro (PM) prometeu entregar computadores aos alunos e escolas que deles careciam no início do ano letivo, mas os poupadinhos atrasaram a compra e agora, quando são tão necessários, não existem. Daí resultam graves prejuízos para centenas de milhares de alunos e mais desconfiança no sistema de ensino. O PM negociou compromissos com os partidos que lhe têm dado apoio parlamentar e colocou-os nos Orçamentos do Estado de 2020 e de 2021 que, se executados, reforçavam o sistema de saúde e a proteção de cidadãos em grandes dificuldades, mas o ministro das Finanças não os executa. Portugal é o terceiro país da Zona Euro que mais baixo apoio orçamental deu à economia em 2020 e dos que menos protegeram os cidadãos: o povo sofre, o Governo desacredita-se, a democracia enfraquece e o futuro torna-se mais negro, mas "poupamos". Como diz o povo, "vai-te ganho que me dás perca".

Dir-me-ão que, mesmo assim, o acréscimo da dívida pública, entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020, foi de 17,3 mil milhões. Esta verdade convoca uma outra grande questão: há contextos em que um país tem mesmo de se endividar para poder investir, todavia, a situação económica e financeira de Portugal depende das políticas da União Europeia, que também aplica a gaveta funda na sua relação com os países periféricos.

A tão festejada bazuca, 13,2 mil milhões, definida em meados do ano passado, não cobre sequer o aumento da dívida. Entretanto, o tão elogiado federalismo sanitário, ensaiado no processo de aquisição e distribuição das vacinas, pode confirmar-se como fiasco: foi acionado tardiamente, sobrevalorizou o poder da UE face a estratégias de lucro das farmacêuticas (há países de fora da UE com melhor acesso) e subavaliou dinâmicas da geopolítica.

Com o prolongamento da pandemia e o país em regime de gaveta funda, os problemas agravam-se e acentua-se a clivagem com os países ricos. Depois, não havendo ajudas suficientes, os menos poupadinhos - os ricos do Centro e Norte da Europa - vão acelerar a recuperação. Nós ficaremos para trás e retomaremos a "exportação" de trabalhadores qualificados.

Uma sociedade pobre e desigual é uma sociedade doente. Nela a democracia mirra e o chico-espertismo e o egoísmo imperam: há quem deite a mão a uma vacina que não lhe pertence e alguns, poucos, apropriam-se da riqueza que a todos pertence.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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bazuca financeira    UE    pandemia    democracia    sociedade