Os duros impactos económicos da pandemia e o cheiro à entrada de um significativo volume de dinheiro, vindo da União Europeia, começa a aquecer o fósforo na cabeça de alguns dirigentes de organizações patronais, precipitando-os num chorrilho de contradições.
Nas últimas semanas, vêm afirmando, simultaneamente, que: o principal problema das empresas portuguesas é a falta de procura; não estamos em tempo de crescimento do Salário Mínimo Nacional; o país não pode continuar a endividar-se; as empresas precisam de mais apoios; a carga fiscal é exagerada. E vão dizendo também aquela verdade de senso comum: “o dinheiro não cresce nas árvores”. Afinal em que ficamos?
Deixando de lado a análise sobre onde nasce o dinheiro e como lhe é deitada a mão, direi que é muito importante os nossos empresários colocarem a falta de procura no topo das preocupações. Estamos numa crise sincronizada à escala global, fruto das caraterísticas da pandemia e das respostas (no mínimo complexas) que vão sendo dadas e, também, porque se tornaram evidentes outros perigos que nos rodeiam. A aposta nas exportações - que de forma alguma deve deixar de ser considerada - perspetiva-se como muito limitada por um período indefinido, e as cadeias de valor vão ser sujeitas a mudanças. É, pois, necessário dar redobrada atenção à procura interna. Isso implica reforço do valor dos salários e de outros rendimentos, encontrarem-se mais atividades úteis que propiciem emprego, evitar desemprego, garantir meios financeiros para o Estado, reforçar investimento público e privado.
Uma outra contradição tem a ver com a crença de que a liberdade de iniciativa e a maximização do lucro tudo resolvem na economia. É esta tese que enforma os cenários avançados pela Direita quando discutem processos como o da TAP, dos CTT e de outras empresas. Com base naquela crença e na pretensa autossuficiência empresarial, pretende-se, agora, caminho limpo para colocar o dinheiro nos acionistas das empresas, no pressuposto de que a sua ciência garante negócios lucrativos, e que daí resultará a resolução de todos os problemas da sociedade. Esta via é comprovadamente desastrosa.
Há que não desperdiçar tempo, mas é indispensável planificação e estudos sérios (feitos pelo Estado, universidades e empresas) com a perspetiva crítica que um contexto de mudanças impõe. Sem planeamento arriscamo-nos ao desperdício de recursos. Será perigoso desviar investimentos para segmentos mais voláteis e expostos a choques externos, para áreas que não puxem pela economia, ou para sectores com reconhecido interesse nacional, mas de reduzido valor acrescentado.
As opções têm de ser integradas numa estratégia de desenvolvimento do país, onde se consideram não apenas no objetivo do lucro caso a caso, mas sim, nomeadamente, o emprego direto e indireto e a sua qualidade, a utilização de capacidades e interesses das regiões e o interesse das populações. Veja-se o caso do Hidrogénio onde, se a prioridade for dada às preferências do mercado, teremos o mercado externo a ser favorecido, Portugal a transformar-se num mero produtor de um “novo crude” e as nossas carências energéticas sem solução.
O setor privado tem necessidades e interesses próprios, todavia partilha responsabilidades com toda a sociedade. Não pode querer sol na eira e chuva no nabal.