Escrevo este texto quando está a decorrer, em Bruxelas, o Conselho Europeu que, em princípio, há de definir o montante e o enquadramento da execução do Fundo de Recuperação e Resiliência para os países membros da União Europeia (UE). Se tal objetivo não for atingido agrava-se a ferida da desunião. Em caso de aprovação há que ver, se são confirmados os tais 750 mil milhões de euros, bem como o volume disponibilizado sem encargos e o que será concedido como empréstimo. Acima de tudo, analisem-se as condições em que os países poderão aceder aos fundos.
Os detalhes podem fazer toda a diferença. Mesmo no cenário mais favorável para o nosso país, poderá haver “critérios muito apertados”: a imposição de condicionalismos ao plano que Portugal apresentar para a utilização dos recursos; um rol de “reformas” distanciadas daquilo que os portugueses mais necessitam; avaliações e imposições semelhantes às que sofremos com a Troica. O Primeiro Ministro tem dito, com verdade, que vivemos uma crise económica e social “dramática”. E é claro, o governo precisa urgentemente de saber com que meios pode contar para a recuperação da economia, do emprego e das condições de vida de muitas centenas de milhares de portugueses que estão ou caminham para a pobreza.
A realidade que vivemos é muito delicada. A UE quer que apresentemos um plano do seu agrado, o governo quer tomar como prioridade agradar-lhe. Tudo indica, assim, que entraremos num tempo de grandes exigências sem se pensar o país de forma consistente.
A encomenda que António Costa fez, de um plano de recuperação económica, a uma só pessoa - independentemente da experiência e qualificações da personalidade escolhida - não é efetivo planeamento. Um plano para sustentar o rumo de um país é construído num processo marcado pela participação da pluralidade de interesses e visões presentes na sociedade. Além disso implica, em todo o seu desenvolvimento, a construção de escolhas e prioridades. Ora, o documento posto a circular na comunicação social é apenas um rol de propostas em que cada ator social e político encontra sempre uma, ou várias, em que se pode rever.
Algumas das propostas são muito consensuais, como é o caso da reindustrialização ou da aposta no mar. Esses aparentes chãos comuns pouco significam, porque não estão acompanhados de um diagnóstico das vulnerabilidades do país e surgem carregados de contradições. Por exemplo, como explorar o fundo do mar à procura de minérios, sem avaliar os impactos ambientais e outros? Uma concessão a “empresas privadas especializadas” resolve o problema?
No plano do emprego o documento é de enorme pobreza. Perspetiva criação de emprego e pontualmente expressa a necessidade de formação, mas jamais se executarão os objetivos das principais propostas de desenvolvimento formuladas, e se robustecerão as estruturas socioeconómicas, sem compromissos claros quanto à qualidade do emprego: mais segurança e estabilidade, melhores salários, trabalhadores mais dignificados, Direito do Trabalho efetivado.
O governo deixe-se de planeamento para europeu ver e faça-o com rigor e responsabilidade, deitando mão da inteligência coletiva, da participação dos portugueses e das suas organizações, das capacidades do Estado. Pode ter presente o inventário, entretanto feito.