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13-06-2020        Jornal de Notícias

Tem-se comparado os impactos da pandemia aos efeitos de uma guerra, e afirmado que se trata de uma catástrofe que ficará a marcar a sociedade como grande acontecimento histórico universal. Estas comparações não são descabidas. Nas últimas décadas vem-se dizendo que “o mundo está a viver a emergência de uma nova era”. Têm sido relevados os esgotamentos de “velhas instituições”, a existência de poderes não controlados e não responsabilizáveis, a proliferação de sofrimentos, riscos, inseguranças, contradições e também de “desafios mágicos” que geram medos e amputam horizontes. E hoje estão bem ativos os movimentos geopolíticos e geoestratégicos que alteram correlações de forças à escala global, bastante protagonizadas por lideranças novas distantes da chamada cultura ocidental.

Uma evidência do relevo histórico deste tempo que vivemos é, sem dúvida, a reafirmação do lugar central que o trabalho tem na sociedade e a necessidade de, em defesa da justiça social, das liberdades e da democracia se eliminarem gritantes desigualdades observadas na sua divisão social e internacional, na sua organização e prestação. Em 1919, no rescaldo da I guerra mundial e de uma grande pandemia, a criação da Organização Internacional do Trabalho significou um sinal da premência das reformas a adotar para proteger os trabalhadores e dignificar o trabalho. Em 1944, ainda a II guerra decorria, já se realizava a Conferência de Filadélfia, repetindo objetivos de 1919 e colocando os direitos dos trabalhadores como direitos humanos. No início da construção da União Europeia houve um forte envolvimento dos trabalhadores e seus sindicatos (até indicavam um dos comissários da Comunidade) e plasmou-se o compromisso de harmonizar no progresso os direitos laborais e sociais.

Observemos agora o que se passa em algumas áreas que mais expressam a irracionalidade do sistema económico e social dominante e mais expõem as pessoas e os países a vulnerabilidades, e verificamos: i) a afirmação crescente de que o financiamento da economia não deve continuar prisioneiro de dinâmicas mercantis e, por isso, colocam-se os bancos centrais a dar as respostas que só eles podem e devem dar; ii) o reforço da ideia de que não é sustentável um sistema produtivo baseado em redes de subcontratações (cadeias de valor) globais e discute-se a reindustrialização e a necessidade de cada país não abdicar da produção de bens e serviços essenciais; iii) a tomada de consciência quanto ao respeito pelo ambiente, debatendo-se a descarbonização, o recurso a energias limpas e práticas que não desequilibrem os ecossistemas; iv) que no trabalho, no emprego e nas relações laborais não há mudanças, nem na opinião nem nas políticas, prosseguindo a imposição da cartilha neoliberal da flexibilidade e da desvalorização, carregada de subjugações, de violações de direitos, de injustiças que ampliam a pobreza.

Urge mudar de agulha no mundo do trabalho, sob pena de se transformar o choque pandémico numa crise social e económica permanente. Nesta pandemia, os trabalhadores, presenciais ou em teletrabalho, demonstraram uma capacidade de adaptação, de rigor, de criatividade que devia envergonhar quem teima em pagar salários de miséria e legislar utilizando os escabrosos pressupostos da vantagem do chicote e da suspeição sobre quem vive da venda da sua força de trabalho.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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