Há dias, ao passar no suplemento literário Babelia, do diário El País, pelos resultados de um inquérito de pergunta única sobre a fase de confinamento, «O que descobriu durante este tempo?», dei com uma resposta da poeta e tradutora andaluza Aurora Luque: «Que é necessário simplificar e procurar a lentidão, o silêncio e o respeito. Que as redes sociais nos dominam e controlam e que nos roubaram o tempo verdadeiramente livre.» Colocadas no plano do senso comum, estas palavras podem parecer um tanto exageradas ou despropositadas. Afinal, o fechamento domiciliar e a redução da vida social e profissional deveriam ter provocado um abrandamento das solicitações do quotidiano, dando lugar, apesar da calamidade, a um tempo mais lento e mais tranquilo. Todavia, este cenário benévolo deve ser relativizado, dado o isolamento obrigatório ter adicionado pesados fatores de tensão e de cansaço, e também porque para muitas pessoas com atividade ligada ao teletrabalho as novas condições e os exigentes deveres profissionais acabaram por impor uma dose adicional de esforço, angústia e fadiga.
A verdade é que num mundo cada vez mais frenético e fundado na velocidade – a da circulação das pessoas, a dos ritmos de trabalho, a da informação e da comunicação –, a reivindicação de espaços de lentidão e de silêncio, cada vez mais reduzidos e difíceis de encontrar, começa a impor-se. A omnipresença de uma banda sonora na qual música sem critério, noticiários constantes e anúncios publicitários se sucedem sem parar, contribui para reforçar esta necessidade. Hannah Arendt falou, há já quase setenta anos, da «lacuna» entre passado e futuro como espaço indispensável da reflexão, da síntese e até da criação. E em livros recentes, como Elogio da Lentidão, de Lamberto Maffei (Edições 70), ou Silêncio na Era do Ruído, de Erling Kagge (Quetzal), destaca-se como a qualidade de vida e próprio conhecimento requerem a lentidão e a pausa, e também como nesta «era do ruído» em que vivemos o silêncio se transformou numa questão política. Dito de outra forma, existe uma competição entre silêncio e ruído que é cada vez mais desfavorável ao primeiro, e nas atuais circunstâncias este impôs-se opressivamente até no espaço doméstico, onde no passado podíamos refugiar-nos da agitação.
A segunda parte da resposta de Aurora Luque remete para outro problema também muito presente: a perda de tempo e de descanso determinada pela omnipresença intrusiva e constante das redes sociais. Podemos, é certo, abstrair-nos delas, mas se o fizermos de forma total pagaremos um preço: ficaremos fora de uma via pela qual, a par de muito lixo e desinformação, passa agora um modo de estar na sociedade e de com ela interagirmos. As redes existem e não podem ser ignoradas – como ninguém pode ignorar o telefone, a televisão ou o e-mail, a não ser que deseje viver fora deste mundo, como um eremita –, mas têm, pelo seu formato, condições para impor uma visão distorcida da realidade, que nem todos estão em condições de compreender e de contrariar. Já o problema do que Luque designa na sua resposta por «respeito» radica, não na rígida reverência perante pessoas ou ideias, mas na necessidade de um reconhecimento das regras básicas da sociabilidade, da rejeição do boato e da desinformação, da aceitação da liberdade e da consideração pela opinião do outro, sem os quais não existe comunicação que resista sem transformar-se em extenuante fonte de conflito.
Se tivesse sido desafiado a responder ao inquérito da Babelia sobre o que estes dias trouxeram de negativo para a vida pessoal e cidadã, poderia ter dito algo de parecido. Apesar de vividos em reclusão, de forma alguma eles o foram «fora do mundo», servindo até para provar como, mesmo na aparente tranquilidade do espaço doméstico, um grande número das pessoas está agora cada vez mais exposto à agressão do ruído imposto pelas máquinas de comunicar, às constantes exigências e formas de vigilância do trabalho virtual que ampliam as já obrigatórias no mundo físico, a uma informação que nos pede muito mais do que nos dá, forçando escolhas sobre as quais não temos tempo ou ambiente para pensar. Daqui a necessidade absoluta de os programas políticos passarem a preocupar-se com a defesa do direito à privacidade, seja em casa, na rua ou no trabalho. Uma defesa a exercer 24 horas por dia e 7 dias por semana, antes que caiamos, sem remissão, num inferno opressivo e esgotante que nos deixe, como no enredo do filme de Pedro Almodóvar, «à beira de um ataque de nervos».