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15-05-2020        Público

Quando, nos anos 60 do século XX, centenas de milhares de portugueses arranjaram uma trouxa e partiram para França, muitos com “passaporte de coelho”, iniciaram um ciclo de emigração que ainda não parou. Seis décadas depois ainda são dezenas de milhares os portugueses que deixam o seu país para trabalhar, uns por mais, outros por menos tempo, nesse país global a que chamamos estrangeiro. Reino Unido, Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Espanha, EUA, Canadá, Angola, Brasil, EAU, China e tantos outros países acolhem cidadãos portugueses que se expatriaram voluntariamente procurando uma vida melhor. Mas também partem para trabalhar em aviões, cruzeiros, ferries, plataformas petrolíferas offshore, navios da marinha mercante, entre outros veículos para uma vida sem miséria, para terem um futuro na vida.

Nas anteriores crises que este retângulo ibérico vivenciou, a emigração sempre foi uma opção. Dos anos 60, quando a crise era política e económica, ao desemprego dos anos 80 pós FMI, à crise económica que fez sombra à crise financeira após 2008, à crise de emprego e carreira de algumas profissões (por exemplo, dos enfermeiros), à crise de setores inteiros, como as sucessivas crises da construção civil, ou à crise de esperança para quem vive no interior desertificado e abandonado do país que é todo litoral. Nas crises, telefona-se ao primo de França ou da Suíça, ao tio-avô do Brasil, segue-se o LinkedIn ou fazem-se candidaturas a empregos em lugares que se pesquisam no Google mapas. O estrangeiro é sempre uma opção porque, quando há (uma nova) crise aqui, há (novas) oportunidades ali. Só que agora nem aqui nem ali.

Neste período estranho em que vivemos, há milhares de portugueses sem trabalho, em lay-off ou no desemprego, por esse mundo fora. Milhares de mulheres a dias e de trabalhadores por conta própria, gente dos hotéis e das limpezas, empreiteiros e subempreiteiros, dentistas, pequenos empresários, comissários de bordo e hospedeiras, eletricistas e canalizadores, músicos e artistas de outras artes, não sabem se devem regressar ou se devem arriscar e mudar de vida e de país (outra vez...). Estudantes, cientistas, engenheiros, arquitetos têm a vida entre aspas de um tempo desconhecido. Temos todos, claro, mas, fora de casa, custa (ainda) mais.

O que esta crise provocará na emigração portuguesa está longe de se poder avaliar. Para já, no curto prazo, a diminuição da emigração será inevitável bem como, inexoravelmente, muitos emigrantes, mais precários laboralmente ou com uma menor prospetiva profissional, tenderão a regressar. O efeito conjugado dos regressos e das não-partidas colocará mais pressão nas estatísticas do desemprego e na necessidade de promover políticas de re inclusão social e económica de todos estes cidadãos. Políticas locais, regionais e nacionais de apoio ao regresso e de apoio aos que (já) não podem partir.

O “Programa Regressar”, uma boa ideia, mas ainda pouco conhecida e ainda menos implementada, é agora que tem que mostrar o que vale. A oportunidade de recuperar para o país o capital humano que estava expatriado, tantas vezes anunciada como um desígnio nacional, encontra aqui uma nova ocasião.

A secretária de Estado das Comunidades Portuguesas tem aqui uma missão de importância maior: colocar a emigração e os emigrantes portugueses no centro das políticas de desenvolvimento económico e territorial. Os gabinetes de apoio ao emigrante, muitos deles municipais, os gabinetes de apoio à diáspora, os consulados, enfim, todas as instituições ligadas à emigração, vão enfrentar o maior desafio da sua existência: apoiar os que permanecerão emigrados, apoiar os que desejam regressar, criar condições para que o regresso ocorra sem conflito e, se possível, com ganhos para o país. O mundo está a fechar fronteiras e isso, inevitavelmente, vai refletir-se na emigração portuguesa.

Desde Março que o tema da emigração portuguesa se tornou (ainda mais) invisível. As referências aos 2,5 milhões de portugueses emigrados, às dezenas de milhar de portugueses que perderam o emprego, aos milhares que estarão contaminados (alguns em países sem qualquer proteção ou serviço nacional de saúde) são escassas e pouco impactantes por cá. É pena. Um país que também é a Diáspora não se pode pensar sem ela. O retorno dos emigrantes é uma oportunidade que seguramente não quereremos perder. Muitos dos regressados trarão na bagagem experiências profissionais únicas, saberes novos, ideias inovadoras, novas redes e um renovado capital social, capacidades de que o país carece. Ganharemos todos se soubermos aproveitar esta oportunidade para gerar mudanças estruturais.

L’ Etrangère é o nome de uma música-canção de Linda de Suza, ícone da emigração para França, que para aí partiu com a sua mala de cartão. Como ela, nas gerações seguintes, muitos se sentiram estrangeiros mesmo quando nos visitavam em agosto, como se se pudesse ser simultaneamente estrangeiro em casa e estrangeiro no estrangeiro. Mais uma vez, em minha opinião, são precisas políticas de médio prazo e um alvo bem focado, o que nos tem faltado nos últimos 60 anos de políticas para os emigrantes. Precisamos de concertação entre ministérios e de articulação entre programas e entidades já existentes, de uma cadeia de responsabilidades e um fluxo de informação bem definido. Precisamos de investir agora para obter um retorno depois.

Temos sabido tratar com humanidade os estrangeiros que escolheram Portugal para aqui viver (como assinalarei na segunda parte deste texto a publicar nos próximos dias). Saibamos ser igualmente generosos com os portugueses que vivem longe daqui, com os que querem vir visitar-nos ao longo dos próximos meses, com os que querem regressar. Sejamos solidários com os emigrantes que sempre foram generosos com Portugal.


 
 
pessoas
Pedro Góis



 
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crise    Portugal    população    migrantes    demografia    emigração