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18-04-2020        Jornal de Notícias

O retorno à normalidade é agora o objetivo premente tornado coletivo. Que normal é esse a que se quer voltar? A emergência e disseminação do vírus e as duras condições do combate à pandemia trouxeram-nos, num espaço de tempo curto, a evidência de que vimos de um passado carregado de erros e contradições, de vulnerabilidades, riscos e injustiças. As desigualdades entre as pessoas, os povos e os Estados tornaram-se mais evidentes e inquietantes, contudo já é visível que, se a resposta à crise se cingir à aplicação de leis, de políticas e de práticas instituídas, essas desigualdades se aprofundam e se gera um lastro pesado para o futuro.

É urgente evitar caminhos que propiciam estabilidade a uma minoria e anormalidade permanente para a maioria da população.

A saúde pública e a produção económica são bens que não podem ser postos nos pratos de uma balança no pressuposto de que um sobe quando o outro desce e vice-versa. Imaginamos, porque estamos distantes de poder saber com rigor, a grande dimensão das consequências económicas do confinamento sanitário. Mas serão enormes as consequências sanitárias e económicas de uma pressão demasiada no lado da economia. Evite-se uma escolha trágica entre dois males. Há quem, por egoísmo, pense que tudo se resolve se cada um for já trabalhar, açaimado com máscaras protetoras mágicas e vigiado por sistemas digitais capazes de saberem de cada um de nós coisas que nem os próprios conhecem. É preciso ir trabalhar em pleno, mas as regras têm de ser outras: não se podem cimentar divisões entre “produtivos” e “não produtivos”, entre os indispensáveis e os dispensáveis da situação de emergência, entre teletrabalhadores e os outros. Se os idosos forem colocados à parte, persistirão as condições de isolamento e desproteção em que muitos vivem, e rapidamente se ouvirá um coro a qualificá-los de privilegiados e de obstáculo ao “desenvolvimento” da sociedade.

O retorno à normalidade assente na “retoma da economia” entregue direta ou indiretamente só à responsabilidade do Estado - com este sujeito aos mercados - sem análise crítica à matriz económica que vinha sendo prosseguida, nem esforço para encontrar alternativas; a não consideração da “relocalização” de atividades e de um forte impulso a restruturações empresariais; a introdução de uma dose de tecnocapitalismo sem regulação (propiciador de mais fragmentação do trabalho e de  desigualdades); a normalização da perda já ocorrida de emprego e de direitos laborais e o perigo de chantagem por parte de algumas empresas no necessário processo de desarme da aplicação do Layoff,  associados à conceção de que a volta à normalidade política é o regresso a um governo do velho “arco da governação” e a submissão às desastrosas políticas da União Europeia, constituiria a mistura perfeita para o desastre.  Precisamos de uma economia ao serviço das necessidades das pessoas e da efetividade dos seus direitos fundamentais.

Esta crise grita-nos às consciências a centralidade do trabalho. O trabalho, individual e coletivo, feito com lealdade e dignidade, como o da generalidade dos trabalhadores portugueses mesmo quando ele é perigoso e mal pago, é imprescindível. A normalidade tem de ser feita com mais justiça, menos desigualdades, valorização do trabalho e afirmação do Estado Social de Direito Democrático.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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