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15-02-2020        Jornal de Notícias

Estilhaçado o velho “arco da governação” em 2015, fruto das posições estratégicas novas assumidas pelo PS e pelos partidos à sua esquerda, e constituído um apoio parlamentar ao governo então empossado, tornou-se claro que a Direita podia ser afastada da governação do país por um longo período e se poderia gerar na sociedade portuguesa uma dinâmica transformadora, de progresso social e económico. Tais perspetivas eram sustentáveis apesar dos condicionalismos que os tratados e as políticas da União Europeia impõem a países periféricos como o nosso, da nossa estrutura económica estar enfraquecida e, ainda, da Administração Pública e o Estado se encontrarem em acentuado depauperamento.

Será que tais perspetivas se mantêm viáveis? As relações de forças saídas das eleições do ano passado inviabilizam esse rumo? Estão em curso retrocessos táticos e estratégicos que vão conduzir os partidos às suas velhas “zonas de conforto”, em desfavor de um rumo coletivo transformador? As diferenças entre os partidos que dão corpo à maioria à esquerda são ultrapassáveis num quadro defensivo, mas não perante desafios ofensivos?

Quando Cavaco Silva na sua luta contra a nova solução política impôs aos partidos da esquerda “união” de papel passado, contribuiu, não sei se conscientemente, para a formalização de compromissos que se haveriam de revelar importantes no país e fora dele. Isso ajudou a vincular o PS que, face à composição parlamentar, não podia prescindir de nenhum dos partidos à sua esquerda.  Essa “união” não era uma solução política trabalhada há longo tempo de forma exposta na sociedade e surgiu da prioridade de afastar a Direita do poder, face ao perigoso plano inclinado em que o país se encontrava. Os compromissos assumidos não passaram de uma espécie de carta de mínimos, de execução trabalhosa mas não impossível.

Ao contrário do que muitas vezes é propagandeado pela direita, e também dito por dirigentes do PS, na legislatura 2015/2019 não se fez uma reposição plena de rendimentos e direitos perdidos e muito menos se alijou o lastro pesado criado pelas políticas austeritárias, desde logo nas áreas do trabalho e nas da garantia de direitos fundamentais. Ora, a continuação de compromissos sólidos à esquerda depende inevitavelmente destas reposições e, por outro lado, elas estão associadas ao desbloqueio de outros obstáculos internos (perfil da economia, distribuição da riqueza, coesão social e territorial) e europeus (constrangimentos orçamentais e serviço da dívida) que temos de vencer para nos tornarmos um país mais desenvolvido e uma sociedade mais avançada.

O PS obteve, nas eleições legislativas de outubro passado, um resultado que paradoxalmente lhe ampliou o campo de manobra para fazer pressão sobre os seus “aliados preferenciais”, ao mesmo tempo que tornou o seu governo mais frágil. O BE e o PCP precisam de defender-se, mas terão de ser mais convergentes e ofensivos na definição da agenda desta legislatura, com temas vitais que atrás enunciei. O PS tem de deixar de fazer de Calimero e empenhar-se em coligações positivas. Não pode desperdiçar quatro anos numa procura fútil da melhor oportunidade para desencadear uma crise.

Só assim existirão espaço e condições para soluções que não matem a justa esperança da esmagadora maioria dos portugueses.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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