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12-10-2019        Jornal de Notícias

No contexto das múltiplas reuniões que António Costa realizou com todos os partidos políticos considerados à Esquerda, tem-se especulado sobre as diversas formas de possíveis compromissos de cada partido para que se encontrem as bases que permitam ao próximo governo assegurar “governabilidade”, “estabilidade” e duração de uma legislatura. Sem surpresa, as respostas dos partidos consultados confirmaram que as formas podiam ser diversas e específicas a cada partido. O Primeiro Ministro indigitado foi dizendo, de passagem, que as trocas de ideias e argumentos com os partidos podem influenciar o conteúdo do programa de governo e até a composição deste. Entretanto, no final da ronda, concluiu abruptamente, depois de ouvir a Comissão Política do PS, que governará sem acordos escritos.

A pluralidade do Parlamento e os desafios que se colocam aos partidos não criarão obstáculos à governação, antes pelo contrário, podem dar-lhe dinâmica. Espera-se que o PS, agora com uma representação mais forte, prossiga na valorização do Parlamento. As novas representações parlamentares podem trazer, aqui ou ali, alguma mensagem nova enriquecedora; o BE e o PCP saberão, por certo, encontrar formas de afirmar o seu espaço e as suas agendas, que se perspetivam consistentes e ofensivas; o PSD (e o CDS?) não poderá passar mais 4 anos à espera da vinda do diabo, nem regressar ao passado odiado pelos portugueses, como defende tristemente Cavaco Silva.

Está, assim, na hora de se colocarem de lado os exercícios especulativos sobre a forma ou formas de entendimentos e centrar a observação e a análise objetiva, nos conteúdos do programa de governo e na sua composição.

Na anterior legislatura encontrou-se uma solução política com base em acordos minimalistas, entre grandes desacordos. Em 2015 o cenário era difícil, a experiência absolutamente inovadora ia iniciar-se, Cavaco Silva impunha casamento com papel. Os construtores da “geringonça” estavam mesmo empenhados num caminho de êxito e ficaram-se por mínimos. Mas a coisa foi tão minimalista que António Costa até se dá ao luxo de dizer que cumpriu os compromissos comuns ao fim de dois anos.

Os portugueses estão hoje mais despertos para as falsas bondades das precariedades, das políticas económicas e sociais assentes na desvalorização interna, da modernidade da emigração. Acima de tudo dão sinais de estarem bem mais focados no futuro do que estavam há quatro anos atrás. Isso é muito bom, pode propiciar dinâmicas de desenvolvimento da nossa sociedade. Contudo, António Costa e alguns dirigentes do PS vão dando sinais de demasiado apego a minimalismos. Há assim que dar todo o enfoque ao debate dos conteúdos e estar atento a quem vai compor o governo.

O programa continuará a sobrepor as “contas certas” ao aumento de investimento em setores fundamentais, à recuperação do SNS e à melhoria das pensões? Vai estabilizar a injusta distribuição da riqueza consolidando a pobreza? Em nome da estabilidade prosseguirá estratégias laborais e salariais que condenam os jovens e os mais qualificados a emigrarem, e alimentam uma economia de baixo perfil? Isso seria trair a herança da “geringonça”.

Discutam-se pois conteúdos programáticos, e descodifiquem-se slogans traiçoeiros.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva