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05-10-2019        As Beiras

O título desta crónica parafraseia o de um livro, O Peso da Responsabilidade, do historiador britânico Tony Judt, publicado em 1998 e traduzido no ano passado pelas Edições 70. Nele se reuniram ensaios de Judt sobre três franceses do século XX – Léon Blum, Albert Camus e Raymond Aron – com percursos e focos diversos, mas que coincidiram na grande influência que exerceram sobre o seu tempo e na forma exigente como interpretaram a responsabilidade particular do intelectual público. Tomada esta num duplo sentido: de um lado, o de quem observa o mundo com permanente atenção e de um modo razoável, liberto dos pesados filtros impostos pelas categorias ideológicas, pelos modismos ou pelos lugares-comuns; do outro, o do sujeito que, agindo e comunicando em função das suas convicções, obtidas através da reflexão e da crítica, as assume de uma forma aberta perante os outros, ainda que tal o possa forçar a colocar-se contra as posições dominantes no seu próprio campo, sendo, por isso, por vezes acusado de apostasia ou traição.

Se bem que em momentos diferentes, Blum, Camus e Aron partilharam a perceção de que existe em todo o cidadão que vive como eles – e que a partir de uma tribuna privilegiada, seja ela a escrita e a voz pública ou o espaço audiovisual, hoje também o das redes sociais, produz uma interpretação do mundo em seu redor, dos seus problemas, contradições e expectativas – o dever de «tomar posição», de intervir segundo a sua consciência, dessa forma ajudando a sociedade a ter uma perceção mais clara dos seus caminhos, do seu presente e sobretudo das possibilidades que se lhe abrem. Distingue-o também, se necessária, a capacidade de pensar livremente e de ir contra a corrente dominante, opondo-se com argumentos até aos que lhe são politicamente mais próximos, e refletindo para além do senso comum e das pressões. Alimentando desta forma, não apenas a sua própria margem de liberdade, mas também a reflexão democrática sobre os destinos pessoais e os problemas de todos.

Nas décadas mais recentes tem-se falado bastante do «fim» do intelectual tomado neste sentido dinâmico e fecundante. A expansão dos meios de comunicação, a sua utilização como geradores de consumos e a transformação da opinião em entretenimento – de que são péssimo exemplo certos programas de televisão, onde se parodia o debate político, se amesquinham figuras públicas e se trata com descaso e em tom jocoso ideias, projetos e convicções, muitas vezes com a colaboração de pessoas vindas do mundo da política e do conhecimento –, criam, de facto, um ambiente que tende a desvalorizar o seu papel ou a relativizar as suas observações. Neste sentido, não existem mais figuras com a medida exata e a influência de Blum, Camus ou Aron, que ainda serviram como disseminadores de mensagens. E é muito provável que elas não ressurjam. Mas continua a ser responsabilidade de quem, por ter meios que o permitam e interesse em fazê-lo, pensa, escreve e reflete de forma livre e criadora, interagir com autonomia e coragem no território da cidadania enquanto dinamizadores do debate e da crítica. De outro modo, a opinião pública morrerá e a generalidade dos homens e das mulheres permanecerá entregue à escravidão da propaganda, afundada na indiferença e sem lanternas que ajudem a desofuscar os caminhos partilhados.


 
 
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Rui Bebiano



 
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