Penso que a maioria dos portugueses e portuguesas que votaram nos partidos da Esquerda (ou esquerdas) em 2015, e depois se regozijaram com os acordos parlamentares estabelecidos entre eles, mantêm até hoje uma avaliação globalmente positiva deste ciclo de governação e desejam renovação de compromissos para novo mandato. Entretanto, o contexto atual é radicalmente diferente do de 2015.
Em 2015 havia um rolo compressor a esmagar salários, pensões, direitos sociais e emprego que era preciso deter. Exigia-se aos partidos da Esquerda um entendimento mínimo que pudesse evitar a institucionalização do “estado de exceção” como um novo normal.
Em 2015 surgia um ciclo de crescimento económico à escala global e na União Europeia e um BCE interveniente, fatores que favoreciam a criação de emprego em Portugal e a queda das taxas de juro, facilitando alguma conciliação entre “devolução de rendimentos” e “ajustamento orçamental”.
Em 2015, na composição do Parlamento que resultou das eleições, havia uma coligação PSD-CDS capaz de bloquear qualquer iniciativa do PS sozinho.
A batalha agora tem de ser por novas conquistas, o que em regra é mais difícil que resistir.
Hoje, embora os salários e as pensões se mantenham praticamente estagnadas em termos de poder de compra, e alguns direitos sociais - a começar pela saúde - continuem quase tão comprometidos como estavam em 2015, não há a perceção de uma ameaça eminente, proveniente de iniciativas do governo, intensionalmente dirigidas contra as “classes populares”, os seus meios de existência e direitos básicos.
Agora, muitos dos que desejam renovação do mandato na Esquerda, pretendem que se continue a reparar os estragos do “ajustamento”, mas querem também levar adiante um projeto bem mais profundo de progresso, de mudança qualitativa do perfil da nossa economia, de reparação mais estrutural das desigualdades.
Às portas de 2020 existem fundadas preocupações e antevisões de um novo ciclo recessivo, que pode emergir a partir de guerras abertas ou potenciais, sejam elas bélicas, económicas ou financeiras. Quadraturas do círculo envolvendo reposição dos rendimentos e investimento público a par de amortização da dívida em passo de corrida, são muito mais difíceis no novo contexto global e europeu que se perspetiva.
A acreditar na bissetriz do conjunto das sondagens conhecidas, das eleições de 6 de outubro não resultará uma bancada PSD-CDS capaz de bloquear o PS-sozinho. O PS não será colocado em estado de necessidade de negociações à esquerda. Mesmo sem maioria absoluta – cenário indesejável por múltiplas razões – a hipótese mais que provável do crescimento do PS combinado com um descalabro da direita, produzirá um contexto favorável ao forte setor do PS que sente urticária e enjoos com os acordos à esquerda e encorajam uma solução PS-sozinho, agindo em geometria variável e caso a caso, de que resultaria um viés de direita.
Uma maioria desproporcionada do PS, tende a dispensar, absoluta ou parcialmente, uma negociação à Esquerda para um tão necessário novo mandato, agora focado na dignidade do emprego, no crescimento dos salários e pensões, no resgate do SNS, nas questões do território e do ambiente, na mudança do perfil da nossa economia. É preciso reforçar as forças à esquerda do PS.