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31-05-2019        Jornal do Centro

Não é, obviamente, obrigatório que um país se regionalize, isto é, que assuma uma matriz de organização do Estado e das políticas públicas em que a escala regional tenho um lugar e um papel próprios. Regionalizar é uma opção, carece de uma deliberação e esta deve assentar em boas razões.

Há boas razões para que um país não se regionalize? Quais serão elas? Serão, por exemplo, haver a convicção de que o Estado está bem organizado, não carece de reformas, as políticas públicas chegam adequadamente a todo o território, com consciência regional suficiente e incorporando as necessidades, potencialidades e ambições de cada espaço. As políticas e os princípios gerais bastam, portanto. Também é uma boa razão para não regionalizar a confiança de que o país está internamente equilibrado, não apresenta problemas de coesão e não tem dentro de si obstáculos graves a superar. Nesse caso, pode ficar-se onde se está.

Neste debate, é também importante considerar os problemas que o país não tem. Entre nós, não há distâncias bloqueadoras nem crispações identitárias, não há (ainda?) sublevação das periferias nem grandes dificuldades com a escala municipal, considerada em si mesma. Não é por isto que se deve fazer o debate.

Quais são, então, os problemas que o país tem e que são relevantes para a discussão? A meu ver tem dois. Tem um Estado excessivamente centralizado, com enormes dificuldades de relação com o território (e não é só com o interior, é com as cidades médias, com todos os espaços não metropolitanos e até com a segunda metrópole do país). A centralização não seria um problema se ela fosse eficiente, eficaz e competente. Mas não é. As políticas públicas têm sofrido uma distorção gravíssima, impondo-se a partir de uma noção abstrata e dispersa de território, que, aliás, é considerada como uma entidade passiva, a quem temos de dizer o que deve ser feito. Por isto, a primeira finalidade da regionalização deve ser a de se constituir num instrumento de reforma do Estado e de redefinição das políticas públicas, ligando-as a um território de que estão hoje à distância de muitas léguas da inteligência central.

O segundo problema do país é um estreitamento cada vez maior. Em vez de um país inteiro temos cada vez mais uma nação fragmentada, espacialmente injusta e profundamente abandonada. Insisto, não é só o interior. É cada território fragilizado no litoral, nas cidades e nos municípios que perdem generalizadamente população. E que são muitos. E onde, obviamente, cresce a consciência do abandono, da desproteção. E onde só sobra o convite exterior para que se emigre (lá para fora ou cá para dentro) ou para que nos resignemos. Os exemplos são numerosos mas cito apenas um, o mais radical: entre 2001 e 2017, o país perdeu 1% da sua população, mas na Área Metropolitana de Lisboa aumentou 5,8%. A própria Área Metropolitana do Porto perdeu 1%. O Norte, o Centro e o Alentejo perderam e respetivamente 3,2%, 5,1% e 8,3%. Mas verdadeiramente impressionantes são os números de alguns concelhos da AML: +48% em Mafra, +44% em Alcochete, +40% no Montijo, +21% de Cascais. Temos aqui pano para mangas...

Acontece que o país que saiu do choque violento da austeridade é completamente diferente do que alguma vez tivemos: emergiu e está a consolidar-se um país unipolar, unicamente centrado e concentrado em Lisboa, com uma forte deslocação interna de recursos e uma desestruturação dos demais lugares. Esta é uma originalidade absoluta. Nunca se tinha verificado antes.

Por mim bastam-me, portanto, os problemas que temos. E chegam-me estes dois para discutir a regionalização e, evidentemente, optar por ela. Não como uma finalidade em si mesmo, mas como um instrumento de desenvolvimento e recuperação do país. Para que tenhamos um país inteiro.


 
 
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José Reis



 
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