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22-04-2018        Jornal de Notícias

A conciliação entre capitalismo e democracia é uma velha promessa partilhada por forças políticas de direita e largos sectores da social-democracia e, após a queda do muro de Berlim, o mundo que nos anunciaram foi o de uma vivência mais pacífica e desenvolvimentista, exatamente porque o capitalismo e a democracia, a partir daí, andariam de mãos dadas e expandir-se-iam em todas as geografias. Quase trinta anos depois onde estamos e o que podemos confirmar ou infirmar?

A Leste e a Oeste capitalismo e democracia, longe de se conjugarem, parecem tender a separar-se. A Leste o capitalismo renasceu das cinzas, mas de democracia temos, com raras exceções, um conjunto de versões encenadas. A Ocidente, a democracia liberal estruturada no capitalismo do pós segunda guerra mundial - baseada, pelo menos em princípio, em direitos políticos e sociais garantidos pelo Estado Social de Direito Democrático e no primado da paz e da cooperação internacional - dá sinais claros de perigosa degenerescência.
Uma manifestação desse estado de degradação é o crescente autoritarismo em quadrantes bem diversos, a esmagadora maioria deles “ocidentais” quanto à pertença a blocos como como é o caso da Turquia, da Hungria, da Polónia, das Filipinas, ou até o Brasil. Em todos esses países, estão em risco direitos políticos essenciais - a separação de poderes entre o judicial e o executivo, a liberdade de informação e de expressão - para não falar em direitos sociais fundamentais, como a liberdade de associação sindical ou o direito à greve.

Uma segunda manifestação de degenerescência é o crescente belicismo das grandes potências supostamente capitalistas e democráticas. De uma invasão do Iraque justificada por armas de destruição massiva que “provadamente” existiriam nesse país, chegamos recentemente a bombardeamentos à Síria justificados pela “provável” utilização de armas químicas. Enquanto em 2003 teve de ser construída uma certeza - depois confirmada como falsa – agora bastou invocar uma mera probabilidade. Isto significa desrespeito pelo direito internacional e uma escalada no belicismo. A agressão é justificada sem necessidade de investigar, confirmar ou infirmar suspeitas. Primeiro prime-se o gatilho, castiga-se preventivamente, depois logo se verá como gerir as consequências de destruição e de agravamento de ódios.

Uma terceira manifestação da degradação é a regressão social a que se assiste no “ocidente”, desde logo na União Europeia. Apesar da constatação de crescentes desigualdades, vai sendo desconstruído o Estado Social, a pretexto da competitividade da economia e da sustentabilidade das contas públicas. Economias que cresceram muito depois dos anos setenta do século passado tornaram-se incapazes de garantir os direitos sociais que então vigoraram? Algo está a evoluir numa direção muito errada.

A degenerescência do “capitalismo democrático” que estamos a experimentar serve para nos lembrar que o casamento entre capitalismo e democracia que conhecemos no pós-guerra é afinal um episódio transitório e excecional. Na realidade, instituições democráticas básicas como o sufrágio universal só emergiram de forma generalizada depois da segunda guerra, isto é, há cerca de setenta anos. Se queremos interpretar com rigor o que está a acontecer e encontrar respostas para a grave situação que se está a viver, precisamos de assumir conscientemente que o capitalismo esteve, na maior parte do tempo do seu desenvolvimento, associado a formas autoritárias de exercício do poder político, como aconteceu em Portugal até 1974, ou a democracias muito mitigadas.

Não se pode dizer que o capitalismo esteja bem, menos ainda que se recomende. De qualquer modo, o que está em maior risco é a democracia, não o capitalismo. Em vésperas do 25 de Abril é bom relembrar esta realidade e assumir que a riqueza gerada pelo trabalho e atividades de toda a sociedade tem de ser gerida tendo como prioridade a efetividade da democracia. Hoje são muito evidentes os efeitos cumulativos desastrosos das políticas austeritárias sobre o trabalho, a educação e a saúde. Aproveitemos para exigir correção de políticas nestas áreas.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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