O caso sucedido com a empresa Cambridge Analytica (CA) vem ampliar a consciência do perigo para os regimes democráticos da manipulação das redes sociais. A CA, fundada em 2013 pelo bilionário conservador Robert Mercer, está sediada em Londres e tem por missão coligir e analisar dados visando intervir em processos eleitorais. Num primeiro olhar, pode parecer que em pouco se distingue de uma vulgar empresa de sondagens, como aquelas que todos conhecemos atribuindo-lhes um papel relativamente inócuo. Porém, a CA vai muito mais longe: acaba de comprovar-se que com a passividade cúmplice da empresa que gere o Facebook recorreu a dados coligidos a partir dos perfis individuais de 50 milhões de utilizadores desta rede social – inquirindo opiniões, interesses, hábitos e consumos – para influenciar o eleitorado norte-americano nas eleições presidenciais de 2017. Suspeita-se que o fez também em dezenas de outros países, como o Brasil, o México ou o Quénia.
O escândalo rapidamente propagado foi apenas mais um passo na compreensão pública de que a dimensão de privacidade das redes sociais é curta e ilusória, fale-se do Facebook, do Instagram, do Messenger ou do WhatsApp. As três últimas foram, aliás, há pouco tempo adquiridas pelo cofundador e principal proprietário da primeira, Mark Zuckerberg. De há muito que os milhões de utilizadores da rede do logótipo azul se habituarem a conviver com informação, publicidade e sugestões não desejadas, para além de gestos de censura que chegam a atingir obras de arte, que os atingem porque os seus comportamentos são monitorizados por algoritmos ou por empregados ao serviço da empresa. Sabe-se, aliás, que com intenções persecutórias, as redes sociais e os motores de pesquisa usados na China procedem a análogas operações, produzindo um cerco à informação destinado a limitar, a coagir e a influenciar o comportamento social dos seus utilizadores. O motor Google tem também sido criticado por atitudes desta natureza.
Perante esta situação, muitos cidadãos passaram a desconfiar desses espaços, existindo um número considerável que tem vindo a abandoná-los ou a reduzir de forma muito drástica a sua presença. Têm fundadas dúvidas sobre o seu papel na manipulação da informação, na viciação de notícias e no controlo da liberdade individual, assim interferindo poderosamente no funcionamento dos sistemas políticos erguidos em sociedades abertas ou servindo de fator de coação dentro de regimes autoritários. Essas dúvidas juntam-se aliás a outras, também elas legítimas, sobre o modo como o crescimento brutal da Internet, e em particular o das redes sociais, impõe formas de convivialidade muitas vezes hostis e pouco úteis, inevitáveis se o utilizador não criar, dentro delas como na «vida real», as suas próprias regras e os seus próprios espaços, agrupando-se por distintos circuitos de sociabilidade.
Porém, é preciso reconhecer que as redes sociais têm sido também espaços da democracia – independentemente da qualidade da sua voz, nunca tantas pessoas tiveram voz audível, nunca tantas causas tiveram tão grande capacidade de propagação, nunca tanta informação circulou tão rapidamente, nunca tanto conhecimento foi oferecido – e seria um colossal retrocesso cívico se nas atuais circunstâncias elas desaparecessem sem que algo as substituísse. É certo que o problema não se resolverá de forma simples, graças apenas a cuidados básicos com a privacidade que cada um pode desde já tomar (limitando as permissões de acesso, por exemplo). Menos ainda aceitando a implantação de mecanismos de censura e vigilância. Tudo piorará, aliás, se os mais informados sobre esta situação optarem por se retirar, deixando as consciências mais frágeis nas mãos dos predadores que manipulam as democracias contra a liberdade e os interesses dos cidadãos. A resposta só pode ser dada pelos que se mobilizarem em sua defesa.