Eduardo Lourenço, grande ensaísta, professor e filósofo tem dito que a Europa que hoje referenciamos como União Europeia (UE) nasceu e viveu, até à queda do Muro de Berlim ou até 1991, como “um projeto político entre parêntesis” com os Estados Unidos da América de um lado e a União Soviética do outro. Quando esta desapareceu, o projeto ficou ainda mais encostado ao outro parêntesis, mas à deriva no seu todo e com os seus grandes atores políticos desorientados. Essa desorientação agravou-se face a alterações de poderes à escala global e ao reforço do neoliberalismo.
A Social Democracia Europeia não conseguiu ou não quis interpretar objetivamente a nova situação, acentuou contradições genéticas e, desde aí, caminha de recuo em recuo subjugada a medos decorrentes do irrealismo do compromisso que tem com forças conservadoras: entrega da finança e da economia aos mercados, e atribuição aos Estados – que na década anterior chegaram a ser governados na esmagadora maioria por partidos sociais democratas – da missão de assegurar as políticas sociais, em parte com o Estado a financiar e os privados a executarem. A essa estratégia acrescentou o erro de implementar uma das ideias mais desastrosas da Europa do pós-guerra: a de que a integração económica europeia, no seu avanço, embora suscitasse problemas haveria de inevitavelmente conduzir à união política, ou seja, esta tornar-se-ia um facto sem necessidade de uma decisão explícita de constituição de um Estado Federal.
Enquanto a integração esteve confinada a um núcleo relativamente homogéneo de países e não se traduziu em muito mais do que uma união aduaneira, o projeto europeu avançou com solavancos suportáveis. Mas quando, em sucessivos alargamentos, se expandiu para incluir países muito diversos nos seus níveis de desenvolvimento económico e nas suas instituições, e ao mesmo tempo se aprofundou na forma de uma União Monetária, a impossibilidade daquele modelo de integração revelou-se na expressão de uma crise existencial, que já tem quase dez anos e está longe de acabar.
Todo o processo de “construção europeia” das últimas décadas dispensa a participação dos cidadãos, não promove o diálogo, secundariza a cooperação entre povos e países. É também por isso que a UE não é capaz de lidar com o complexo problema das migrações. O “mais europa” significa cada vez mais controlo, desde a política orçamental à supervisão bancária, passando pelas políticas laborais e sociais, as privatizações e os regimes de segurança social. O estado de exceção da crise foi (e continua a ser) usado para alargar as prerrogativas da UE e impor políticas de direita, se necessário com suspensão da democracia e da soberania dos países.
As mensagens que chegam do topo da UE, nomeadamente pelas vozes sociais democratas mais relevantes, prosseguem reclamando “mais europa” numa espécie de obsessão pelo abismo. Continuam teimosamente na fuga para a frente, indiferentes ao que vem de baixo, expresso nos protestos contínuos dos cidadãos e nas suas opções de voto, como agora em Itália. Como convém a esta retórica europeísta, todos os que estão contra ou desconfiam do rumo em curso são catalogados de “anti-europeus”. Se aqueles que o são efetivamente, no essencial forças fascistas e aventureiros políticos, saem reforçados das eleições nos países, isso pouco importa. A estratégia parece ser a de que as estruturas europeias e os poderes que lhes estão por detrás tudo suportarão: governos ultra conservadores ou fascistas (que os mecanismos da UE pretensamente adaptarão), ou a gestão da desafetação popular face à União Europeia, negando a democracia.
O caminho da “mais europa” sem consentimento popular acabará por aumentar as tensões. A estrutura pode quebrar, quer a nível europeu, quer dos países. O bom senso aconselharia ao alívio das tensões favorecendo verdadeiras reformas: um arranjo monetário flexível no lugar da moeda única, uma devolução de políticas ao nível nacional que dê aos governos instrumentos para realizar os programas sufragados, espaço para a afirmação da democracia em cada país, e para a cooperação no plano europeu em torno das questões de interesse comum.