O debate sobre a educação regressa anualmente com a publicação do ranking das escolas (Púbico, 07-02-2018), onde é avaliada a prestação dos estudantes nos exames nacionais, o sucesso escolar, o contexto socioeconómico e o número de alunos que transitam ou não para o ensino superior.
Progressivamente, as escolas públicas perdem terreno para as escolas privadas, estando cada vez menos presentes no top das “melhores” 50, pelo menos desde os primeiros rankings em 2001. Conclui-se com alguma ligeireza que as escolas privadas são melhores do que as públicas, contribuindo para um abandono efectivo do ensino público e para a adesão maciça ao ensino privado. A qualidade mede-se pela sua capacidade de promover uma aprendizagem focada na resposta aos exames.
Contudo, hoje também nos questionamos se este é o método de aprendizagem e de avaliação mais pertinente, nomeadamente porque o ensino superior está a abandoná-lo. Ou seja, estes estudantes irão ter sérias dificuldades de sucesso na escola universitária.
Assim, que alternativas para escolas que não ocupam os lugares cimeiros dos rankings?
A escola, pública ou privada, é um espaço privilegiado de formação do cidadão, enquanto indivíduo, mas também enquanto membro de uma comunidade que valoriza a democracia, o conhecimento científico, a cultura, o ambiente ou a saúde. Ou seja, a escola é simultaneamente uma casa e uma cidade.
A construção da cidade foi desde cedo consolidada pela presença activa e integrada da escola, tanto na formação dos centros históricos, com os conventos e os colégios, como também na expansão da cidade moderna, com as escolas primárias, os liceus e as universidades e politécnicos. A transformação da escola esteve assim sempre muito próxima da evolução da sociedade e da própria cidade.
Hoje, assistimos a uma espécie de divórcio entre a escola e a cidade, ou entre a escola e a comunidade que habita o mesmo espaço urbano. Nos centros históricos, por exemplo, as escolas perderam toda a sua população, porque a cidade substitui os seus habitantes por turistas. Estas encerram ou sobrevivem com um número reduzido de alunos. Neste sentido, torna-se impraticável o ambicionado regresso das populações ao centro histórico, enquanto que nos novos centros, criados durante os diversos ciclos de expansão, a escola está a perder o vínculo com as comunidades, abandonando-se as relações de proximidade.
É assim que se assiste a um esvaziamento do papel central de escolas emblemáticas da história do ensino, da arquitectura e das cidades como as escolas secundárias: Alexandre Herculano (578ª do ranking), projectada em 1914 para fundar a zona oriental do Porto; a José Falcão (115ª), construída em 1936, para acompanhar a expansão nascente da cidade de Coimbra; a Camões (273ª), projectada em 1907, para consolidar as avenidas novas da Lisboa. Poder-se-ia argumentar que estas escolas ainda não foram requalificadas pelo programa da Parque Escolar, contudo verificamos que outras escolas secundárias já intervencionadas permanecem mal classificadas no ranking, como a Passos Manuel (564º) projectada em 1896 para Lisboa ou a Rodrigues de Freitas (453º) concluída em 1932 no Porto.
Assim, a renovação urgente destas escolas e de muitas outras por todo o país não deve ser apenas centrada na necessária renovação física, mas sim numa renovação que se venha a constituir como um motor de renovação urbana e social para acolher e formar uma população interessada em regressar ao centro urbano para construir uma comunidade mais democrática, mais culta e mais solidária.
A articulação entre o redesenho do espaço urbano, a reabilitação arquitectónica e os métodos pedagógicos podem contribuir para a construção de uma escola “melhor”, onde a avaliação não se resume a uma prova de conhecimentos, mas ao desenvolvimento de competências sociais e científicas que formem cidadãos capazes de contribuir positivamente para um mundo cada vez mais complexo.
Assim, a escola que não se foca unicamente nos exames e nos rankings tem necessariamente de encontrar outros processos de ensino-aprendizagem, onde as salas de aula não estão limitadas a quatro paredes, onde os auditórios são praças de partilha do conhecimento e da cultura abertos à escola e à cidade, onde o desporto sai do ginásio para percorrer a cidade, onde a biblioteca é simultaneamente o “coração” da escola e o centro da comunidade.
A escola da cidade não pode ter “muros” que a isolem da comunidade, como uma espécie de ilha do conhecimento, onde a cidade é um inimigo de que é necessário proteger-se. A escola da cidade tem por obrigação transformar-se num espaço comunitário, partilhando os seus espaços com a comunidade que a envolve, assim como a cidade deve também constituir-se como um espaço de aprendizagem, promovendo o seu espaço público como prolongamento da escola e da educação informal. A escola - tanto a básica, como a secundária e a universitária - ainda não conseguiu dar resposta ao desígnio traçado pelos pedagogos da democracia, como, por exemplo, António Sérgio, que reivindicava uma educação centrada na criança ou no jovem, através de uma aprendizagem pela experiência. Para isso, a escola pública tem de se reinventar e exigir uma outra pedagogia, uma outra arquitectura e uma outra cidade.