Amanhã, dia 15, celebra-se o dia das Instituições de Solidariedade e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS) evoca o seu 37º aniversário na “afirmação dos valores e identidade da solidariedade, da sua autonomia e empenho na cooperação”. Porque fui desafiado a reflectir sobre algumas dimensões do tema, aqui expresso uma pequena parte da minha reflexão, como forma de homenagear o importantíssimo papel da esmagadora maioria destas numerosas Instituições.
As Instituições de Solidariedade Social (IPSS) vivem hoje sob enormes tensões que parecem projetar-se, de forma agravada, para o futuro próximo: em primeiro lugar, a tensão entre a solidariedade e o lucro, o que as obriga a um esforço enorme para resistirem à financeirização do sector e à mercadorização do trabalho; em segundo, a dificuldade em equilibrar os meios disponíveis com as missões que crescentemente lhes estão atribuídas; em terceiro, a pressão que as empurra para missão paliativa na resposta aos custos sociais decorrentes de um mercado de trabalho selvagem, com grande desemprego e baixa qualidade de emprego.
O futuro das IPSS, que se quer consistente, está profundamente associado ao futuro do Estado Social. Há quem afirme que o Estado Social deve ser substituído pelo Estado Solidário, debaixo de um argumentário que desagua em três ideias: i) a conceção de que as pessoas devem aceder aos direitos sociais em função dos seus rendimentos, como se nesse acesso se pudessem colmatar as profundas desigualdades que estão a montante, na injusta distribuição da riqueza; ii) a ideia de que a obrigação do Estado é apenas a de garantir mínimos; iii) a perspetiva de que os direitos fundamentais da proteção social (como, aliás, na saúde ou na educação) podem ser colocados no mercado como quaisquer outros produtos.
O Estado Social tem, no plano concetual, um princípio claro: coloca as pessoas (todas) como sujeitos de direitos (e deveres a eles inerentes), não as abandonando aos caprichos da benevolência alheia. Deixemos claro que a solidariedade, e até a caridade, são importantes valores. Mas são valores que só têm significado quando concretizados num processo de transformação da realidade social, de promoção da dignidade humana e de afirmação da plena cidadania.
As IPSS se não agirem na base daqueles valores perdem a sua alma e tornar-se-ão distantes e frias. É natural e até indispensável, que as IPSS acolham atos de caridade acidentais ou momentâneos de diverso tipo. Contudo, em última instância, devem pugnar por colocar cada pessoa (criança, jovem, adulto ou idoso) o mais longe possível de situações de dependência e necessidades que lhes roubam dignidade. E devem ainda integrar plenamente a sua ação em processos de progressivo desenvolvimento da sociedade.
As transformações em curso nas sociedades contemporâneas, onde se observa baixo crescimento económico, persistente desemprego de massas e envelhecimento acelerado, conduzem a novas necessidades e desafios para o Sector Social e Solidário.
Face a este cenário, os vendilhões do templo da nossa era – o poder financeiro –, veem aqui uma oportunidade de negócio e de lucro. Já hoje estão bem visíveis no nosso país pressões financeiras, algumas apresentadas sob o manto da inovação social.
Não temos dúvida quanto à necessidade de se buscarem respostas novas que podem exigir novas cooperações e articulações de ação, mas se o Sector Social e solidário se afastar de valores e expressões de identidade que lhes são intrínsecos, e que sempre guiaram a sua ação, cedendo à expectativa de mais fácil e imediato financiamento, corre o risco de mais cedo do que tarde entrar em turbulência, de enfraquecer e de acabar por ser dispensado a favor de modelos de prestação de cuidados empresarializados e financeirizados.
Cada vez mais refinado nas suas práticas, o neoliberalismo apresenta sempre uma solução mercantil face a qualquer problema económico, social, cultural e até afetivo, nem que seja com utilização de dinheiro público, a que continuamente deita a mão, desde que a provisão seja privada e se monte um qualquer simulacro de concorrência.
Todos sabemos muito bem que o dinheiro corrompe certos valores.