Dadas as suas condições específicas, as eleições autárquicas estão, por vezes, associadas a limites que podem relativizar bastante o sentido democrático dos seus resultados. Por um lado, a personalidade ou a imagem pública dos principais candidatos tem com frequência uma influência desproporcionada nas escolhas dos eleitores, sobrepondo-se muitas vezes ao compromisso político que estes assumem e que, esse sim, deveria ser decisivo. Por outro, o peso dos partidos tem localmente, também demasiadas vezes, uma dimensão identitária que secundariza em boa medida a sua natureza ideológica ou programática. Estas duas condicionantes, aparentemente contraditórias, mas em certos casos complementares, produzem duas distorções muito comuns.
A primeira advém de, por si só, a simpatia, a capacidade de trabalho ou a influência pessoal e profissional serem insuficientes. Precisam de estar associadas a critérios de natureza ética e política que deveriam constituir sempre a pedra de toque do acesso a cargos públicos de responsabilidade. Quando isto não acontece, fica aberto o caminho para situações que podem ser desastrosas ou mesmo bastante lamentáveis. Foi o que ocorreu agora, de uma forma particularmente indigna, com a nova eleição de Isaltino Morais para a presidência da Câmara de Oeiras, sabendo-se que este não só foi condenado e cumpriu pena por razões que se prendem justamente com atos concretos de gestão autárquica, como terá escapado a algumas outras condenações, associadas a crimes ainda mais graves do que aqueles provados em tribunal, apenas porque a morosidade da justiça fez com que eles prescrevessem. Mas o rosto sobrepôs-se às ações. A situação não é nova e aconteceu já noutros momentos e com outras personalidades candidatas a autarquias, lançando o descrédito sobre a dimensão de transparência que deve obrigatoriamente caraterizar a democracia local.
A segunda distorção é mais grave, e em alguns casos pode subverter em larga medida a base política sobre a qual assentam os poderes num sistema democrático e multipartidário. Existe uma percentagem muito grande de eleitores que confunde coerência, ou ideologia, com um padrão de fidelidade partidária muitas vezes mais próxima da «clubite» futebolística ou da adesão a um credo religioso, que de uma leitura racional dos programas dos partidos ou das suas propostas eleitorais. Isto significa que, em vez de votarem em escolhas e nas pessoas que as personificam, votam em bandeiras, independentemente, em certos casos, das pessoas que sob elas se apresentam a sufrágio. Só assim é possível compreender que o voto em determinados partidos, apoiando em alguns locais pessoas e programas com um perfil aberto a consensos, noutros lugares colocam no poder local personalidades que os rejeitam. É isto que explica, por exemplo, que em cidades como Lisboa ou o Funchal, as candidaturas do Partido Socialista, concorde-se ou não com elas, se tenham apresentado numa lógica de abertura política e de transparência, e noutras, como Sintra ou Coimbra, se tenham fechado em estratégias autoritárias e de grupo. Infelizmente, ao eleitor que vota essencialmente no emblema partidário, no «clube», as pessoas que lhe dão corpo muitas vezes pouco importam.
Estas distorções, que, convém dizer, não ocorrem apenas com o partido referido como exemplo, acabam por gerar situações de défice democrático que prejudicam a transparência da gestão autárquica. E afastam da vida pública muitos cidadãos e contributos dinâmicos, mobilizáveis pela dimensão de responsabilidade, de rasgo, mas também de diálogo e de compromisso, que esta sempre deverá conter.