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08-10-2017        Jornal de Notícias

Na leitura nacional dos resultados das eleições autárquicas uma conclusão é inquestionável: os portugueses sufragaram uma solução política inédita, que toda a Direita esconjurou e que os defensores do bloco central atacaram. Tal facto constitui um acontecimento político de enorme significado.

Agora, estão em curso os movimentos tectónicos para reajuste dos projetos (ou posicionamentos) de cada partido, das posições relativas dos partidos nos espaços da Esquerda e da Direita, da influência de cada uma destas grandes áreas no destino do país para um período temporal que pode ser longo. Provavelmente tratar-se-á do reajustamento mais complexo e profundo das últimas décadas. Ao contrário do que se perspetivava ainda há dois anos, a Esquerda está hoje em vantagem por três razões fundamentais: i) a agenda neoliberal e austeritária da União Europeia e do Governo PSD/CDS imposta aos portugueses foi testada, falhou, e a Direita não tem alternativa; ii) diversas experiências estão a mostrar que a social-democracia perde sempre que se alia à Direita e pode ganhar quando se distancia do neoliberalismo e responde, mesmo que só pontualmente, a problemas concretos das pessoas e da organização económica e social; iii) a lucidez e empenho das forças mais à Esquerda determinou a concretização de pequenos passos de dignidade e justiça, que afugentaram o Diabo e trouxeram esperança.

O CDS, que no anterior Governo foi paladino duma profunda reconfiguração regressiva e assistencialista do Estado social, há muito percebeu que o revanchismo não compensa. Procura agora esconder um dos seus reais propósitos - alimentar uma "Direita orgânica" que beneficie das subcontratações do Estado na área social - sob uma retórica social ao Centro, que o insinua como possível futuro parceiro do PS.

O PSD, que se encostou muito à Direita, dispõe hoje de muito menos poder do que aquele a que se habituou, e tem por isso mais dificuldade em gerir o choque interno de interesses e culturas. Distanciou-se de temas centrais da sociedade e tem de encontrar forma de travar alguns objetivos do CDS. Procurará, por isso, tanto quanto o CDS, encenar uma deslocação para o Centro. Entretanto, já por aí se ouvem as trombetas que clamam pelo bloco central. As figuras mais destacadas do PSD, bem como aqueles que no PS sempre desejaram essa opção ou os que apoiam a "geringonça" enquanto esta "possibilitar ao PS governar ao Centro", vão fazer tudo o que puderem para ressuscitar um PSD "moderado".

O conjunto das forças de Esquerda pode deitar mão da vantagem conquistada e projetá-la para o futuro, a favor dos portugueses e do país. Isso exige um reforço equilibrado das suas várias componentes, na certeza de que o caminhar da sociedade e a dinâmica política alteram as posições relativas de um dado momento. O PCP, que sofreu perdas muito significativas nas autárquicas, poderá, através da afirmação forte das propostas que tem como prioritárias e pelo acerto da mensagem que construir, criar novas lógicas para o "voto útil". O BE, que não tem implantação autárquica passível de uma aferição às suas perdas ou ganhos, precisa de, com agenda e objetivos próprios, enraizar-se na sociedade.

O PS terá a sua estratégia focada na atuação do seu Governo. Contudo, este só atingirá êxito se criar correspondência efetiva entre as práticas de governação e as expectativas que emanam das convergências políticas em que se sustenta. Será um bom sinal se a discussão provocada pelo Orçamento do Estado for feita com essa perspetiva.

Hoje, quando se discute modernização administrativa há que assumir que na saúde, na educação, nas universidades, na segurança social ou na justiça, as carências de conhecimento e de tecnologias são bem menores que as carências de pessoas. Há serviços exauridos que só recuperarão se houver integração de precários, carreiras profissionais e progressões nelas. Por outro lado, a reposição de equilíbrio de poderes e direitos nas relações de trabalho é uma premência, como demonstram as causas dos conflitos em curso na Autoeuropa, na PT, na TAP, nas Minas Neves Corvo ou em setores públicos.

Governar à Esquerda é possível, o povo agradece e o país desenvolve-se.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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