Em França, como em Portugal, são precisas relações laborais na base de poderes equilibrados e discussões sérias sobre o futuro do trabalho.
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Em França está-se a jogar muito do futuro do trabalho na Europa. Emmanuel Macron é um típico neoliberal “moderno”. Suficientemente maquilhado por forma a garantir uma imagem vendável, “apolítico” quando necessário para não prejudicar o “pragmatismo” da agenda do poder económico/financeiro que é a sua, imune quanto baste às reivindicações do comum dos cidadãos e das suas organizações, é também experimentado no exercício da política no campo da social-democracia decadente, o que lhe assegura certa credibilidade no centrão político europeu. Manobrador hábil, procura credibilizar-se no exterior, enquanto desencadeia uma ofensiva antilaboral sem precedentes no país.
As ordonnances são decretos previstos constitucionalmente mas só excepcionalmente utilizados, pois permitem ao Governo fazer mudanças sem debate e voto parlamentares. Macron deu um toque de malvadez ao processo, ao pedir autorização ao Parlamento para rever o código de trabalho por essa via, em período de férias.
A revisão apresentada põe em causa elementos estruturantes da lei geral do trabalho, desde logo, ataca todo o edifício da negociação coletiva e a autonomia sindical: i) inverte a hierarquia dos instrumentos de regulação passando a negociação feita na empresa a sobrepor-se à contratação coletiva setorial e até a conteúdos de leis gerais, com os sindicatos afastados dos processos negociais; ii) o conjunto de direitos e deveres dos trabalhadores, entre eles o contrato de trabalho, a duração dos tempo de trabalho, a saúde e segurança e outras condições de emprego, passa a ser determinado nos locais de trabalho, onde as relações de força são hoje profundamente desequilibradas a favor dos patrões; iii) nas empresas com menos de 20 assalariados, o patrão poderá negociar com um empregado não eleito e não mandatado pelo sindicato, e nas empresas com 20 a 50 trabalhadores poderá negociar com um representante eleito, mas não mandatado; iv) nas empresas cujas atividades não se restrinjam à França, não será mais necessário avaliar se existem dificuldades a nível internacional para julgar da validade dos despedimentos coletivos por motivos económicos; v) invade a autonomia sindical, nomeadamente, impondo formas de organização que fundem estruturas representativas dos trabalhadores que até agora propiciavam importantes campos de articulação de ação; vi) facilita os despedimentos e diminui as indeminizações quando estes acontecem.
Tenhamos consciência de que o ar bafiento da agenda de Macron está a alimentar em Portugal novos fôlegos antilaborais. A campanha de setores da Direita, clamando contra os perigos da continuação de compromissos à Esquerda e gritando aqui-d`el-rei que vem aí o comunismo, tem como primeiro objetivo travar a reposição de direitos laborais e sociais.
A propósito do processo da recente greve na Autoeuropa o “Fórum para a Competitividade” – de Ferraz da Costa, saudosista que diz “tenho pena que a troika tenha ido embora”, porque agora “deixou de haver programa” – surgiu a terreiro reclamando ser preciso “colocar na ordem do dia a necessidade de rever a lei da greve”, significativamente quando aquela greve foi decidida num processo de participação democrática exemplar. Há patrões que jamais admitiram nas suas empresas o modelo de relações que tem vigorado na Autoeuropa, mas agora se fingem seus defensores à espera de verem ali eliminados importantes direitos, para usarem esse exemplo regressivo na sua campanha por uma harmonização no retrocesso de direitos laborais e sociais e das retribuições no trabalho.
Em França, como em Portugal, são precisas relações laborais na base de poderes equilibrados e discussões sérias sobre o futuro do trabalho. Não nos esqueçamos que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919 e revitalizada em 1944, porque as injustiças, o trabalho sem direitos e o poder unilateral do capital foram confirmados como inimigos da democracia e forte ameaça à paz.
Não se resolverão os problemas da economia e de grandes desafios hoje colocados aos Estados e às sociedades, persistindo-se na privatização de empresas e serviços, considerando subversivamente os direitos no trabalho e o sindicalismo responsáveis pelos problemas que as empresas e as administrações públicas enfrentam, atribuindo mais poder às empresas quando são os grandes grupos multinacionais que subjugam a vida da esmagadora maioria e aprisionam os Estados.
As aventuras contra os direitos no trabalho e o próprio direito do trabalho, no atual contexto, marcado por grandes tensões geoestratégicas e latente belicismo, são ainda mais perigosas.