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17-04-2017        Público

Oops, they did it again! A Europa ainda suspirava de alívio após as eleições nos Países Baixos quando Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças interino da Holanda e chefe do Eurogrupo, fez o comentário depreciativo sobre os europeus do Sul que, segundo ele, desperdiçam dinheiro em mulheres e copos.

A crítica não é nova: já Angela Merkel disse em 18 Maio de 2011 que os europeus do Sul deviam tirar menos férias, reformar-se mais tarde e esforçar-se como os alemães. Durante os debates sobre os resgastes aos países do Sul, os estereótipos sobre os "mandriões do Sul" pululavam nos meios de comunicação alemães. A cobertura mediática sobre a Grécia assumiu dimensões tão ofensivas que o conselho de imprensa alemã a condenou. Preocupado com o renascimento de preconceitos na Europa, o ex-primeiro-ministro italiano Mário Monti chegou mesmo a sugerir, em 2012, uma conferência para debater o problema. Nada de novo, portanto. Apenas uma péssima altura para os reiterar, poucos meses após o “Brexit” e pouco antes do 60.º aniversário da União Europeia.

Já foram feitos vários comentários pertinentes sobre Jeroen Dijsselbloem. O Sul e o Norte pareceram inverter os papéis na forma como reagiram. Enquanto o ministro dos Negócios Estrangeiros português abandonou a brandura dos costumes lusitanos e pediu a demissão de Dijsselbloem e o secretário de Estado adjunto e das Finanças, Mourinho Félix, voltou a insistir num pedido desculpas recentemente, o Norte preferiu evitar o rigor que propaga noutras matérias. Apesar de o governo alemão anunciar que não iria comentar, Wolfgang Schäuble acabou por fazê-lo, reduzindo o dito a uma questão de estilo do colega holandês a que não cabia dar notas.

Mais do que baixar de nível e retribuir com opiniões pouco lisonjeiras sobre o Norte — note-se que Jeroen Dijsselbloem também foi duramente repreendido no Norte —, importa atender ao contexto da sua observação e aos interesses que traduz. A polémica entrevista foi publicada a 19.03.2017 no Frankfurter Allgemeine Zeitung, jornal lido principalmente pela ala económica conservadora e neoliberal na Alemanha. Ou seja, o episódio deu-se apenas três dias após Dijsselbloem ter perdido a pasta das Finanças em sequência da derrota retumbante do seu partido nas eleições holandesas. Como as regras ditam que o chefe do Eurogrupo tem de ser um ministro das Finanças, Jeroen Dijsselbloem precisava do apoio dos seus colegas para terminar o cargo em Janeiro de 2018. Esse apoio ele já conseguiu. Schäuble já o exprimiu em público e aproveitou até para realçar a eficiência do presidente do Eurogrupo.

A reacção nacional ao comentário de Dijsselbloem é compreensível. No entanto, surpreende o silêncio de Portugal em torno de outras propostas do holandês, por exemplo no sentido de reforçar o Eurogrupo, que coordena a maior macroeconomia informalmente sem legitimidade democrática e que tem sido um dos principais órgãos da troika para a política de austeridade. Dijsselbloem sugeriu a transformação da chefia do Eurogrupo num cargo permanente em vez de continuar a ser presidido cumulativamente por um dos ministros das Finanças, como tem acontecido até agora. Argumentou que, embora seja regra que o posto seja eleito pelos membros do Eurogrupo, não é imperativo que seja um desses membros a desempenhar o cargo. A concretizar-se a proposta, Jeroen Dijsselbloem suceder-se-ia a si próprio, garantiria a sua carreira para além de Janeiro de 2018 e evitaria o seu desaparecimento da cena política após a derrota recente do seu partido. Embora o apoio dos países do Sul (e do Norte) à sua candidatura provavelmente se tenha tornado mais difícil depois deste episódio — Costa já afirmou que ele só está de passagem no cargo —, a redução do peso político do Sul depois da crise e a falta de socialistas em cargos centrais da UE (todos eles são presididos pelos conservadores) e a sua lealdade a Schäuble são trunfos a seu favor.

O silêncio nacional é ainda mais ensurdecedor perante a proposta de Dijsselbloem e Schäuble na mesma edição do jornal de 19.03.2017 para o Mecanismo de Estabilidade Europeia (MEE), um instrumento central durante a crise, atualmente liderado pelo alemão Klaus Regling. Na polémica entrevista, Dijsselbloem defendeu a ideia de Schäuble de transformar o actual MEE numa espécie de Fundo Monetário Internacional (FMI) europeu que viria a substituir o papel do actual FMI em questões europeias. Mais, nessa mesma edição do jornal, o próprio Wolfgang Schäuble expôs num longo artigo — "Von der Krise zur Chance?" ["É a crise uma oportunidade?"] — as suas linhas principais para o futuro da Europa, entre elas a sua ideia de um FMI europeu. Esta organização teria as funções de identificar e controlar os riscos das economias, negociar as condições para programas de resgate e definir regras claras para ajudas e assim assegurar o princípio do não-bailout. Simultaneamente, Schäuble defende a redução da capacidade de intervenção da Comissão Europeia em matérias financeiras. Nesse contexto, decisões como a de não castigar a Portugal e Espanha por pressão da comissão, como aconteceu recentemente, tornar-se-iam impossíveis.

Daqui várias questões se levantam. Seria pois um FMI europeu uma das peças fundamentais do projecto da Europa a várias velocidades ou "Kerneuropa" que Schäuble lançou em 1994 e que ele e Merkel trataram de introduzir na declaração da Cimeira de Roma poucos meses após a Inglaterra ter anunciado a sua saída? Seria um mecanismo de estabilidade sem legitimidade democrática, mas fortalecido à custa do enfraquecimento do Parlamento e da Comissão, do interesse de Portugal? Será que as questões tratadas pelo MEE actual e um FMI europeu são meramente "neutrais e técnicas" como Schäuble afirma, apesar do impacto que elas tiveram no destino dos países em que as medidas foram aplicadas? Se é apenas racionalidade económica que impulsionam Schäuble e Merkel, porque é que a Alemanha anda em constante desavença com o FMI de Lagarde por este considerar a dívida grega insustentável e defender o "hair-cut"? Por que é que Schäuble tem ignorado consequentemente estas críticas, assim como de economistas conceituados internacionalmente e laureados pelo prémio Nobel ao superavit e falta de investimento alemão? Por que se discute tão pouco as consequências da política de exportação alemã, que não só quebra as regras europeias há anos consecutivos como foi conseguido em grande parte à custa do refreio dos salários alemães como meio de competir com os seus parceiros europeus e está a asfixiar as economias do Sul?

O deputado alemão dos Verdes, Sven Giegold, vê a proposta Dijsselbloem-Schäuble mesmo como uma ameaça à democracia europeia. O que à primeira vista parece ser mais Europa, ele classifica como menos Europa. Enquanto a Comissão e o Parlamento europeus ficariam praticamente de fora, seria o MEE ou o FMI europeu, que só dá contas aos Estados-membros, a determinar o rumo europeu. A agravar, o actual MEE não está sob jurisdição europeia, apenas responde a tratados entre Estados nacionais, a par da União Europeia. Tal seria o fim da Europa que conhecemos para uma Europa a que ele chama "Europa alemã à la carte".

Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, já discordou da ideia em público. Não admira, pois, que a realizar-se, este mecanismo teria o poder de controlar os orçamentos nacionais e aplicar medidas à Franca e Itália semelhantes às ditadas à Grécia, Portugal e Espanha. Moscovici argumenta que mais do que reduzir o poder da Comissão há que aumentá-lo, criando um ministro das Finanças europeu ou um budget europeu.

Os políticos alemães têm sido exímios em exteriorizar uma política que apelidam de tecnocrata e "neutral". Quando o chanceler social-democrata Helmut Schmidt foi acusado de falta de visões políticas, replicou com o seu famoso pragmatismo que quem tem visões deve ir ao médico. Esta resposta entrou para a história alemã. Angela Merkel, na chancelaria já há 12 anos, também é um exemplo do sucesso deste estilo de fazer política tanto nacional como internacionalmente. O Norte da Europa ocupa uma posição que lhe permite não entender ou fazer que não entende a realidade do Sul e até mesmo usar instrumentos culturalistas contra ele. No entanto, isso não é argumento para que o Sul responda da mesma forma e não esteja atento ao que o Norte vai — tecnocraticamente — alinhavando para o futuro da Europa.


 
 
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Clara Ervedosa



 
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