Os cinco cenários apresentados esta semana pelo presidente da Comissão, como possíveis opções de rumo da União Europeia (UE) não passam, até agora, de um mero exercício retórico. Na apresentação de Jean-Claude Juncker ficou claro que os dirigentes europeus - desde logo a Comissão - não trabalharam o conjunto de questões a considerar para se poder definir uma visão de futuro para a UE. Os pronunciamentos que entretanto vão surgindo, vindos de governantes e outros políticos de diversos países e famílias políticas, confirmam-no. Ora, se tivermos presente que as "escolhas", agora apresentadas por Juncker, não estavam nos programas eleitorais com que os atuais governantes dos países se apresentaram aos respetivos eleitorados e que é impossível uma discussão e pronunciamento sérios por parte dos cidadãos a partir daquele cardápio, devemos perguntar: o que se vai discutir? Quem, como e quando se vai pronunciar sobre o futuro da UE?
No próximo dia 25, em Roma, os líderes europeus vão reunir-se e, por certo, tentar passar uma imagem e mensagens positivas sobre os "compromissos" que assumirem, mas isso não eliminará o somatório de fracassos e negações que o "projeto europeu" em curso vem acumulando. Seria um milagre surgir dali alguma proposição séria e positiva a apresentar aos povos.
Sem dúvida que a Comissão se deparou com grandes obstáculos ao produzir este cardápio. Contudo, a grande questão é que Juncker e Ca. teimam em empurrar os problemas com a barriga e em ignorar, ou subvalorizar, os profundos conflitos de interesses que estão por detrás da cortina, nomeadamente, as reais divergências económicas entre países. As eleições em França e na Alemanha estão aí à porta e os seus resultados terão forte influência no rumo tomado por Bruxelas, mas as eleições nos países continuarão a realizar-se, os povos não vão abdicar de eleições e de exigir respostas para as questões concretas da vida do seu dia a dia. Por outro lado, como bem mostra a nossa história recente, não é por um país se associar a um "pelotão da frente" que consegue atenuar a sua divergência económica e social. A moeda única, na sua conceção e funcionamento está cheia de armadilhas, impõe regras únicas a realidades bem diferentes, choca com objetivos de solidariedade e com condições específicas de desenvolvimento dos países. A Comissão avança propostas que, no fundamental, ignoram estes factos.
Perante o aprofundamento da opção securitária (e belicista) dos Estados Unidos, conduzido pela Administração Trump, os cenários apresentados por Juncker também reforçam as apostas na "defesa" e nas medidas securitárias. Porquê e para quê? Porque está aceleradamente a crescer o clima de uma nova Guerra Fria e a UE entra na corrida (como quer Trump) enfraquecendo perigosamente princípios de defesa da paz e da liberdade que se diziam fundadores do projeto europeu. A resolução de graves problemas que dão origem a enormes movimentos de refugiados, o combate ao terrorismo, ou a necessidade de lidar com novos polos de poder não podem ser o recurso à guerra e a amputações de direitos fundamentais.
A União Europeia deveria guiar-se pelos objetivos de criação de emprego e de melhoria da sua qualidade, de coesão social e territorial, de liberdade de circulação das pessoas, mas esse não parece ser o caso. Por isso, é preciso desconstruir os conceitos "europeísta"/"antieuropeísta" que marcam os discursos e o debate público em Portugal e no resto da UE. Os pressupostos e conceções que estão por detrás dessa dicotomia não permitem gerar caminhos novos que nos retirem do atual beco político. Novos rumos positivos serão possíveis analisando e considerando com rigor as condições e anseios dos povos e novas realidades sociais, económicas, culturais e políticas.
Em Portugal, é desejável que o Governo, e o Partido Socialista em particular, mas também todos os partidos que suportam a atual maioria parlamentar, sejam cuidadosos nas abordagens que vão fazendo sobre estas matérias, que confrontem entre si posições, que se vão comprometendo em propiciar ao povo as condições de informação, de análise e de pronunciamento que lhes deve caber, sem fechar à partida o debate.