1. A tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro de 1917, deveu-se a um conjunto de circunstâncias de natureza bastante diversa. A continuação da presença desastrosa da Rússia nas operações da Grande Guerra, a incapacidade para se constituir um governo sólido e coerente, a indecisão relativamente às politicas a seguir numa sociedade que permanecia marcada por profundas desigualdades sociais, e a forte dinãmica reivindicativa dos sovietes, os conselhos operários vindos da revolução de 1905, abriram caminho para que os bolcheviques, apesar de minoritários muito bem organizados num corpo de revolucionários profissionais, pudessem tomar o poder de uma forma muito rápida e aparentemente fácil. As grandes dificuldades do novo regime para se conseguir manter viriam apenas depois, após o início da guerra civil, em 1918.
2. Orador brilhante, figura popular, e um dos principais dirigentes do Partido Socialista Revolucionário, Alexander Kerensky desempenhou um papel de bastante relevo nos combates da oposição aó governo do czar, vindo a ocupar um lugar central no processo iniciado com a Revolução de Fevereiro, de início como ministro da Justiça e alguns meses depois como ministro da Guerra e primeiro-ministro. A sua ascensão e a sua queda ficaram a dever- se ao mesmo motivo: a tentativa de impor na Rússia uma série de reformas, incluindo a abolição da pena de morte, a instauração de liberdades civis como de imprensa, a abolição da discriminação étnica e religiosa, e o sufrágio universal, que não tinham tradição no país e para cuja imposição dispunha de uma reduzida base social de apoio. A comparação de Kerensky com Mário Soares é, de uma certa forma, forçada, e até injusta, já que os contextos eram em larga medida diversos; surgiu quando se referiu o papel de Soares no triunfo, em Portugal, do modelo de democracia representativa erguido contra o modelo de Estado mais rígido, de partido único, o que Kerensky, de facto, jamais conseguiu fazer.
3. A Revolução de Fevereiro teve, de forma simplificada, dois efeitos particularmente importantes. O primeiro foi determinar o fim do czarismo e de um sistema de governo fortemente centralista e autoritário, que basicamente governara a Rússia durante séculos. O segundo foi criar as condições para que uma segunda revolução, de caráter mais profundamente social e apoiada pelos trabalhadores e soldados, pudesse emergir, substituindo aquela, mais política e concentrada na escassa classe média das cidades, que apoiara a primeira. A construção da URSS passou sempre, independentemente dos ciclos e contradições, por rejeitar o regresso ao modelo parlamentarista.