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19-12-2016        Jornal de Notícias

Passos Coelho considerou o Primeiro-ministro um “pirómano” por este, em “tempos em que os mercados andam agitados”, admitir a possibilidade de renegociação da dívida a partir do final de 2017.

A dívida, pública e privada com que Portugal se depara resultou, em grande parte, da combinação de uma integração europeia disfuncional, com interesses internos prenhes de compadrios e corrupção, de roubo “legal” à esmagadora maioria da população. A dívida é hoje fonte de vulnerabilidades económicas e financeiras que tolhem o desenvolvimento do país; e constitui-se como instrumento de permanente chantagem sobre os justos anseios de melhoria das condições de vida e de trabalho da população.

À esquerda, as forças políticas e sociais consideram, de formas diferenciadas, ser necessário encetar a discussão deste grave problema. Ao mesmo tempo, Manuela Ferreira Leite, do PSD, afirmou estes dias que a “divida é um problema exigente e urgente que tem de ser tratado”. Por outro lado, um conjunto de personalidades, onde encontramos nomes de tão diferentes origens como João Ferreira do Amaral ou João Salgueiro, vêm ensaiando um exercício de reflexão sobre o reposicionamento internacional da nossa economia, que deve ser lido com atenção. Nele também surge a busca de respostas para o problema da dívida.

Entretanto, a teimosia da terapia de choque sobre os mais pobres prossegue na União Europeia e é tempo de gritar bem alto, chega! Esta semana foi suspenso o resgate financeiro à Grécia, onde se incluía um tímido alívio à sua insustentável dívida pública. A razão invocada foi o anúncio, pelo Governo grego, de uma retribuição extraordinária aos seus pensionistas neste Natal, depois da imposição pela troica de mais uma “reforma” sobre o sistema de pensões que se traduziu em violentos cortes. Há uma nova ronda de ameaças acompanhada por uma imensa cacofonia dos diferentes credores, sintoma das contradições e das desorientações que parecem reinar entre Washington, Bruxelas e Berlim – o grupo de “Reis Magos” que Passos deseja que nos visitem em janeiro, mas como tríade do diabo.

O FMI defende para a Grécia uma revisão de objetivos orçamentais e da dívida, aligeirando a última, ao mesmo tempo que exige novas reformas da Segurança Social e das relações laborais – a receita que coloca os trabalhadores e o povo sempre a pagar a fatura. A Comissão Europeia, nas palavras de Moscovici, argumenta que novas reformas são politicamente inexequíveis, mas não quer que a UE ceda nos objetivos orçamentais propostos (uns impossíveis 3,5% do PIB de superavit orçamental em 2018), e Berlim joga o papel do “polícia mau” com declarações inaceitáveis, acusando a Grécia de uma “orgia de promessas vazias”. Entretanto, responsáveis das duas instituições (FMI e UE) trocaram duras acusações em diversas publicações "on-line".

Estes acontecimentos externos confirmam, mais uma vez, a necessidade de se pensar o futuro do nosso país fora dos parâmetros e da retórica de relançamento da economia e do emprego impostas até agora pela EU, pois daí não vêm soluções. Portugal precisa de uma visão estratégica e autónoma do seu futuro, quer para garantir o seu espaço na economia internacional, quer para salvaguardar posições nacionais na correlação interna de poderes, que nos últimos anos sofreram profunda transformação na estrutura e domínio da economia e na relação capital/trabalho.

Passos, na sua modernidade pós-verdade, considera a dívida sagrada e prefere a negação do seu país. Somos o terceiro país da UE com mais trabalhadores precários e precariedades a alastrarem-se a todos. Temos desigualdades profundas, serviços públicos a degradarem-se, falta de auxiliares e de professores nas escolas, de médicos e outros profissionais na saúde. Passos acha que essas lacunas são para manter e cristalizar e que é indispensável tornar aquilo que é de todos propriedade apenas de alguns.

Para Passos, o que é preciso é diabolizar ainda mais. Se a pobreza é um problema, faça-se dela um negócio. Depois é só constituir um governo de negócios à Trump, colocando as raposas mais matreiras a cuidar do galinheiro.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
FMI    Grécia    UE    economia    dívida pública