Nunca fui de usar a torto e a direito a palavra de baixo calão, vulgarmente conhecida por palavrão. E não é por qualquer vestígio de moralismo puritano, que não possuo de todo, ou com medo de pecar por palavras e me ver inexoravelmente destinado ao Purgatório das almas. Faço-o apenas ocasionalmente, quando me zango mesmo com alguma coisa ou quando entalo algum dedo numa porta ou gaveta. Por vezes, também, quando estando sozinho posso dar largas, sem incomodar os outros, à impaciência ou ao desespero. No entanto, como vivo neste mundo e não entre anjos, é claro que passei por períodos em que tive de abrir mão dessa ginástica de contenção, e me vi a «falar como um carroceiro» (já quase não existem carroceiros por estes lados e por isso não estarei a ofender alguém).
Sou capaz de dar conta de alguns desses momentos. Um deles foi quando partilhei uma certa atitude política na qual era suposto o vernáculo funcionar como veículo de aproximação «ao povo», ou servir de músculo de um comportamento insubmisso, opositor a uma classe social privilegiada que até na linguagem se mostrava preconceituosa e ciosa de impor a sua ordem injusta. Também quando vivi algum tempo no Norte do país, onde trabalhei algum tempo como operário e me fui apropriando de um léxico costumeiro muito livre, facilitador da integração entre as pessoas com quem me dava todos os dias. E, é claro, quando durante três anos permaneci a maior parte do tempo dentro de quartéis ou entre militares. Lá onde, como se dizia então, «para cada três palavras, quatro palavrões». É certo que não seria bem «palavrões» o termo que a frase introduzia, mas adiante.
Não tendo, pois, esse hábito ou tique, e não experimentando no dia a dia a necessidade interior ou a atração pela cena obscena, admito que me é antipático o uso repetitivo e obsoleto desse modelo de linguagem. Porque, salvo quando ocorre entre pessoas com um vocabulário reduzido por condição ou por formação, a rudeza que o uso contínuo do palavrão traduz transmite uma dose desnecessária e importuna de agressividade. Não porque possa ser feio e degradante para quem dele se serve, mas porque impõe ou insinua o facilitismo da argumentação, traduzindo uma falha de empenho, urbanidade e diálogo na relação diária com os outros.
É por isto que me incomoda percorrer em certas alturas do ano as ruas da cidade onde vivo e cruzar-me com bandos de estudantes universitários a pôr em prática, como instrumento de gozo e suposto ritual de «integração académica» dos que estão a chegar, cânticos e lengalengas nas quais o sentido único é, não a crítica, a facécia ou o jogo, mas a exibição militante, totalmente gratuita e infantilizada, de um rosário de vulgarismos bradados em alta vozearia – invariavelmente de teor sexual, sexista e homofóbico – com os quais é suposto pautarem um padrão de sociabilidade «irreverente» e uma identidade na paisagem que habitam. O uso indiscriminado deste padrão de linguagem é, aqui, uma marca de desclassificação pública por parte de quem o pratica, aceita ou sobretudo impõe. Não por ser vergonhoso, mas por se tratar de um barbarismo poluente que estupidifica e é danoso para a vida social.