Na última quinta-feira o jornal desportivo Super Deporte, publicado na capital da Comunidade Valenciana, proclamava a toda a largura da primeira página, a propósito do jogo do Euro-2016 de Portugal contra o País de Gales, que Nani marcara «o seu primeiro golo como jogador do Valência». Na verdade, à hora a que escrevo o futebolista nascido na cidade da Praia mas com nacionalidade portuguesa ainda não assinou sequer o contrato formal com o clube do morcego. Por isso, para além de tecnicamente errado, o título é descabido. O objetivo do jornal é, obviamente, exaltar um certo orgulho local ou regional, ainda que Valência, com os seus 800.000 habitantes, não seja propriamente uma aldeia da comarca de Las Hurdes a precisar de propaganda.
É importante reconhecer que a imprensa regional de modo algum desempenha um papel acessório. Não só é necessária no plano informativo, como ocupa geralmente um lugar insubstituível. Desde logo porque se aproxima de um público que não compra ou lê outros jornais, pois interessa-se, com toda a legitimidade, apenas por aquilo que ocorre na sua proximidade. Mas também porque chama a atenção para o papel do que acontece ao pé de nós nos equilíbrios e desequilíbrios de um todo que é o do país ou mesmo o do mundo, destacando os temas que se relacionam com um quadro geográfico estreitamente ligado ao quotidiano dos cidadãos. Foi nesta imprensa, aliás, que em 1968 comecei a escrever de forma pública, e com ela continuo a colaborar com gosto e empenho sempre que posso ou me desafiam.
No entanto, já não a aprecio, e considero-a até potencialmente nociva, quando fecha o ângulo e se concentra no umbigo provinciano – sirvo-me aqui do sentido pejorativo e não do sentido físico do termo –, esquecendo-se de colocar os assuntos em contexto global, reduzindo o horizonte ao nível do que apenas pode ser observado a olho nu, submetendo-se diariamente aos pequenos poderes fácticos, exacerbando o sempre tacanho bairrismo ou destacando assuntos irrelevantes só porque têm a ver com o local. Ignorando ou subvalorizando, ao mesmo tempo, outros que, parecendo distantes, se refletem rápida e necessariamente na vida de qualquer pessoa, independentemente do lugar no qual possa morar. O que hoje, sob a poderosa ordem global, acontece cada vez mais e de uma forma mais intensa.
Depois há ainda, como aconteceu com o jornal valenciano, os seus representantes que estabelecem relações forçadas e descabidas, destinadas a exacerbar o valor simbólico da sua nesga de território. Por isso, para ser franco, não aprecio este género de imprensa quando ela deixa de ser regional e se torna «regionalista». A matriz da palavra não é ingénua, sendo justamente o seu sufixo que deteriora a escolha. Todo o «ismo» remete para um sistema, uma ideologia ou uma convicção que se justificam a si próprios, quase sempre excluindo ou desvalorizando qualquer termo de comparação. A atenção exclusiva ao próximo e ao imediato, quando preguiçosamente exacerbada, é sempre um factor de imobilismo.