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28-05-2016        As Beiras

A ideia de escola pública nasceu com os debates que precederam e acompanharam a Revolução Francesa. E foi também em França que, sob a iniciativa de Jules Ferry, primeiro-ministro e ministro da Instrução Pública da Terceira República, entre 1880 e 1883 ela foi lançada de forma coerente. Pela primeira vez na história, a educação deixava de ser um privilégio concedido a alguns e tornava-se tendencialmente universal e gratuita, perdendo a dependência das instituições de natureza privada, corporativa ou confessional que lhe diminuíam o alcance e a condicionavam. Para além de republicana, era agora laica e plural, passando a assegurar, como um direito, o acesso a um conhecimento e a uma formação que deveria destinar-se a todos os cidadãos. Ocorreram depois avanços e recuos, consoante as épocas e os lugares, mas a tendência tornou-se irreversível, consolidando-se gradualmente nos regimes democráticos.

Em Portugal, este princípio, esboçado a partir de 1836 por Passos Manuel e os Setembristas, foi colocado em funcionamento durante a Primeira República. E, apesar de terem ocorrido retrocessos importantes durante o Estado Novo, nomeadamente no que se refere aos limites impostos à diversidade dos saberes e das interpretações transmitidas aos alunos, jamais deixou de ser aplicado no essencial. Com a Revolução de Abril e a afirmação do regime democrático, a sua existência viria a ser consagrada na Constituição, na qual se determina que «todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar». Devendo este direito, naturalmente, ser assegurado em primeiro lugar pelo Estado, dado ser este o garante do interesse público, da equidade e da liberdade, e por não ter por objetivo a obtenção do lucro ou a imposição de formas de pensamento único.

É neste contexto que deve colocar-se o conflito, dramatizado em excesso nas últimas semanas, que parece existir entre entre o ensino público e o ensino privado. Digo «parece» por motivos óbvios: das 2.773 escolas privadas existentes no país, apenas 79 viram inicialmente questionados pelo governo os contratos de associação que, hoje sem as necessidades de preenchimento das falhas do ensino público que ocorreram no passado, colocam o Estado a financiar colégios que têm o lucro e uma formação por vezes pautada pela ideologia como meta. Destes, aliás, apenas 39 viram, de facto, gradualmente reduzido um apoio que, por existirem alternativas na rede pública, não se justifica. O assunto tem sido vastamente comentado, por vezes mais com o ânimo do que com o entendimento, numa campanha algo tóxica e demagógica, mas os números não enganam. O semanário Expresso, referindo-se especificamente a Coimbra, onde ao nível do país este desequilíbrio ocorreu de forma mais acentuada com 10 escolas nessa situação, mostra um retrato eloquente: «há 15 escolas públicas do 2º e 3º ciclos e secundário a menos de 10 quilómetros dos 5 estabelecimentos privados com contrato de associação», em alguns casos situadas até a escassas centenas de metros, que garantem capacidades para absorver, em condições de igualdade pedagógica, os alunos que precisem de colocação.

Problemas humanos suscitados por uma redistribuição de recursos poderão acontecer, é verdade, mas até estes, se formos racionais e justos, devem ser ponderados. Assunção Cristas, do CDS, disse há dias estar em causa o despedimento de mil professores do ensino privado. Não sei se o número é certo. Mas a concretizar-se esse seria, sem dúvida, um efeito indesejável do reequilibro agora proposto, para o qual deverá ser encontrada uma solução justa que reduza os danos pessoais. Não convém, todavia, esquecer que durante os quatro anos do governo ao qual a deputada pertenceu foram despedidos do público perto de 30.000 docentes. Em larga medida devido a um desinvestimento premeditado nesta área do sistema educativo, que a generalidade das pessoas, associações e partidos que agora se indignam então aceitaram.

Não pode estar em causa o direito das escolas particulares à existência e à autonomia. Nem a colaboração que possam desenvolver com o Estado e o ensino público. Mesmo quando alguns dos seus processos de funcionamento contrariam os valores da laicidade e do pluralismo. Mesmo quando alguns dos seus docentes são submetidos a formas de coação que restringem a sua liberdade e os seus direitos. Mesmo quando algumas excluem ou aceitam alunos com base em critérios socialmente injustos. Ainda assim, a sua existência e funcionamento obedece a uma lógica global de diversidade que deverá ser preservada. Aliás, muitos colégios privados têm levado a cabo experiências pedagógicas de valor e merecem ser encorajados. O que não pode aceitar-se, porém, é que alguns sejam financiados com o dinheiro de todos quando a dois passos existem escolas públicas com condições e profissionais para acolher quem por elas entenda optar. Tão simples quanto isto.


 
 
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Rui Bebiano