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22-05-2016        Jornal de Notícias

A memória é indispensável perante os descalabros a que assistimos hoje. As políticas europeias que nos têm sido impostas, conjugadas com a ilusão de que por arte mágica os “valores europeus” e os pontuais exemplos positivos, registados na construção do projeto, hão de vencer, conduzem-nos infelizmente à iminência da tragédia.

As instituições europeias atuam de forma antidemocrática desrespeitando a soberania, a independência e a cultura dos diversos países; apoiam-se numa tecnocracia que interpreta na ação o poder do capitalismo financeiro neoliberal; espevitam as divergências contra a identidade social e a convergência de interesses de todos os povos europeus, atribuindo a um número cada vez maior a catalogação de madraços; alimentam a mobilização das opiniões públicas com dicotomias e antagonismos entre europeus; aprofundam cada vez mais as desigualdades, principal e contínuo despoletador de crises; subvertem as Leis e Tratados a que estão obrigados, como acontece com o vergonhoso comportamento na situação dos refugiados.

Sami Naïr, intervindo no Seminário “Os Refugiados, a Crise e os Traumas”, no qual participou a convite do CES[1], perguntava: como é possível que “a Alemanha e a Turquia tenham estabelecido um Acordo em que os refugiados são tratados como imigrantes que há que escorraçar da UE e a palavra refugiado nem sequer conste do texto do Acordo?” A UE está a violar grosseiramente convenções internacionais e a deitar para o caixote do lixo valores civilizacionais que deviam ser preservados.

Os EUA e a UE são os grandes responsáveis pelas guerras e a desestruturação dos países onde se gera esta dramática situação dos refugiados. Agora, esta Europa bunker destrói-lhes as expectativas sobre os “valores europeus” e transforma-os em imigrantes clandestinos. Isto é criminoso. É no caldo da clandestinidade que nascem e se alimentam as máfias e os ódios que servem o terrorismo.

O projeto europeu esboroar-se-á se não se resolver o problema dos refugiados, mas a sua crise é muito mais ampla. O euro foi concebido para ser irreversível. Agora descobrimos que é um artefacto diabólico que está a semear o conflito e também a destruir a união. As instituições europeias, cada vez que decidem, criam novos problemas.

Na semana passada, aliaram a promessa de solução para o problema da dívida grega a uma nova dose de austeridade que impedirá qualquer recuperação, mesmo que venham a assegurar o alívio da dívida. Esta semana a UE criou mais um problema. Sob a aparência da indecisão, se aplica ou não castigos a Portugal e Espanha, decidiu de facto. E o que decidiu foi, no imediato, transformar a sua indecisão numa arma apontada à livre escolha eleitoral dos espanhóis e prosseguir a chantagem sobre o governo português. Decisões destas só lembrariam mesmo ao diabo.

Enquanto engenho concebido para ser irreversível, o euro assemelha-se a uma armadilha cujo tiquetaque anuncia uma deflagração, mas que só pode ser desativada se cortado o fio certo, explodindo se cortado qualquer outro. Para tornar o projeto irreversível, os construtores do euro queimaram o livro de instruções. Tiquetaque. Vamos tentar reconstruir a maquineta? Tiquetaque. Vamos cortar um fio? Tiquetaque. Qual? O que liga a Grécia? Tiquetaque. O que liga a Portugal? Tiquetaque. O que liga estes e ainda a Espanha e a Itália? Tiquetaque.

Do voto dos ingleses, seja ele sim ou não, virão novos ataques à solidariedade europeia. Os alemães tardam em libertar-se de um governo e de políticas que só visam o alargamento da sua influência e poder.

Os povos têm mesmo de ser desrespeitosos face às ordens dos mandantes da UE. Se não nos insubordinarmos, a coisa pode mesmo explodir nas nossas vidas.



[1] Seminário realizado a 18 de maio na Fundação Calouste Gulbenkian, organizado pelo Centro de Trauma e o Observatório sobre Crises e Alternativas do CES-UC.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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