Nestas semanas de ao Natal, o sapatinho dos portugueses enche-se de trapalhadas, maldades e interrogações que marcarão o seu futuro próximo. Umas são de origem caseira e podiam ser evitadas, outras são-nos remetidas pela União Europeia (UE) e por poderes globais a exigirem redobrada atenção.
O problema Banif há muito pairava sobre as nossas cabeças. O Governo da Direita escondeu-o propositadamente até às eleições, para não ser responsabilizado pelas faturas que nos vão surgir nos bolsos. Cavaco Silva, quando enunciava a necessidade de António Costa assumir compromissos sobre o setor financeiro, também sabia do buraco por tapar, mas jamais chamará à responsabilidade os seus amigos. E Carlos Costa, que tem desde sempre conhecimento da situação e é o representante máximo do poder da regulação, não sabe e não quer, ponderadamente, falar verdade aos portugueses e evitar cenários especulativos.
No processo Banif, mais uma vez, vale tudo. Porquê um canal de televisão, a TVI, incentivou o alarmismo? Foi para despertar a sociedade? Foi para ganhar audiências? Ou por detrás houve interessados no processo - portugueses ou tecnocratas europeus - a "encomendarem" o alarme? Estas situações são inadmissíveis. Há que respeitar os interesses dos portugueses.
Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e C.ª, ao adiarem o tratamento do problema, prejudicaram os portugueses em muitos milhões de euros; o alarmismo agravou a fatura; o poder dos funcionários da UE (que não têm estatuto político e por isso não são responsabilizáveis) tornou-se mais influente; o setor financeiro português ficou mais debilitado.
Entretanto, surgem ainda mais evidentes as contradições insanáveis do Tratado Orçamental e de certas práticas da UE. Mas esta semana já vimos, no decorrer do debate quinzenal na Assembleia da República com a presença do primeiro-ministro, Passos Coelho com um risinho de malandrice quando interrogou António Costa sobre a aplicação do tratado. É que Passos Coelho atuará no plano interno e europeu no sentido de forçar a sua leitura mais fundamentalista, o que prejudicará o povo português.
Tudo isto acontece num contexto em que, por um lado, nos caem em cima duros estilhaços da crise económica e financeira por que passa Angola, provocando danos visíveis no emprego de muitos milhares de portugueses e na vida de bastantes empresas e, por outro, anuncia-se - a partir de decisões adotadas nos Estados Unidos da América sobre a subida das taxas de juros - que não durará muito mais o tempo do dinheiro barato.
É hoje mais clara a falácia de muita da argumentação eleitoralista de Passos e Portas. Agora, ao novo Governo está colocada a exigência de forte sentido de responsabilidade na definição interna das políticas económicas e sociais; na boa e séria condução das posições do Estado na economia produtiva e nos serviços; na mobilização dos trabalhadores; no envolvimento e responsabilização dos empresários para novos rumos de desenvolvimento económico e social.
Assistimos também esta semana, em sede de Concertação Social, a uma trapalhada inculcada de pequenina burla que não abona nada em favor da credibilidade do Governo. O ministro Vieira da Silva tem experiência e capacidade suficientes para não entrar em jogos mesquinhos, mas lamentavelmente deixou-se ir. Porquê o compromisso para a atualização do salário mínimo nacional devia arrastar a redução da TSU para os patrões que pagam salários mínimos? É inconcebível que tal proposta tenha sido apresentada pela UGT. Mesmo que o valor seja diminuto, nenhuma medida que descapitalize a Segurança Social, que signifique utilização oportunista de dinheiros públicos, que desincentive os patrões a valorizarem o emprego, deve ser adotada.
Reafirmo que pode e deve desenvolver-se um muito mais amplo exercício de negociação e há diversas políticas e apoios que o Estado pode e deve construir para apoiar a capitalização das empresas, em particular as micro e pequenas e médias. O futuro das empresas e da economia passa por políticas estratégicas e não por velhas pedinchices de baixo teor moral.