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15-10-2015        Visão

Tudo leva a crer que a esquerda portuguesa começou a entender que o ciclo político iniciado com a Revolução de 25 de Abril de 1974 está a terminar e que todos juntos talvez sejam suficientes para inverter o processo de decadência estrutural que a coligação de direita iniciou com a ajuda da troika. No sentido que lhe atribuo, decadência significa divergência progressiva, em vez de convergência progressiva com o rendimento médio europeu e os indicadores sociais que lhe estão associados. A prazo, se houvesse convergência, os jovens portugueses teriam tanta necessidade de emigrar como os jovens alemães ou finlandeses. Está em curso o processo oposto.
Não é ainda claro o que cada partido aprendeu. O Partido Socialista (PS), com 32% dos votos contra 36% da coligação de direita, começou a aprender que quanto mais se parecer com a direita menos a direita precisa dele e menos precisam dele os cidadãos e cidadãs que, inconformados com as políticas de direita, começam a identificar alternativas à esquerda. Se aprender esta lição, terá igualmente que aprender que vai ser necessário organizar alguma rebeldia a nível europeu, com sabedoria e aliados europeus. Sem renegociação/restruturação da dívida e com o actual Tratado Orçamental, a decadência é fatal com ou sem exercícios fantasiosos de macro-económia. Aprenderá? Não esqueçamos que a ignorância estrutural no PS é muito alta. Só isso explica que Francisco Assis, dirigente da ala direita do partido, esteja à espera que o partido lhe caia nas mãos. Se isso acontecer, terá o triste privilégio de ser o coveiro do PS.

O Bloco de Esquerda (BE), com 10% dos votos, e o Partido Comunista Português (PCP), com 8% (ambos a crescerem mas o BE a crescer dramaticamente e a ultrapassar pela primeira vez os comunistas), aprenderam que os portugueses lhes deram demasiados votos para poderem ser apenas votos de protesto. Os portugueses querem soluções governativas de esquerda e contra a austeridade. Mas para poderem fortalecer uma alternativa política, os dois partidos deveriam entender-se entre si e não apenas cada um deles com o PS. Aqui a história pesa muito.
O novo Partido Livre (PL), constituído em grande medida por dissidentes do BE, não conseguiu eleger ninguém. Mas com o PL a esquerda também aprendeu. O Livre foi uma presença talvez passageira mas salutar no panorama político português porque introduziu duas inovações, uma programática e outra organizativa. No plano programático, foi a primeira força política, depois do 25 de Abril, a pôr a unidade de esquerda no centro da sua agenda política, uma unidade assente em bases programáticas credíveis. Foi a única força política que abraçou convictamente a democracia directa e participativa na eleição dos seus candidatos e se articulou de modo não proprietário com movimentos sociais autónomos, como foi o caso do Movimento de Cidadãos por Coimbra (CPC). Em geral, e salvo situações de total descrédito das forças políticas dominantes (como recentemente em Espanha), as grande inovações políticas não são bem acolhidas em processos eleitorais, dominados por rotinas, lealdades e aparelhos. Mas o facto de não beneficiarem quem as introduz não quer dizer que se percam. A inovação programática introduzida pelo Livre foi responsável pela mudança estratégica (e não apenas táctica, ao que parece) do BE no sentido de, já na campanha eleitoral, se abrir a uma aliança com o PS que no passado parecia ser o seu inimigo principal. Trata-se de uma aliança condicionada por linhas vermelhas, mas, mesmo assim, uma disponibilidade nova.

O Livre conseguiu impor parte da sua agenda, mas poderá aprender com a sua vitória? Para isso, deveria dissolver-se em nome da unidade de esquerda por que lutou desde que se realizassem as seguintes condições: o BE mostra que a unidade de esquerda é, para os tempos que se aproximam, a melhor decisão estratégica; adopta a inovação organizacional do Livre, a democracia directa no interior do partido, acabando de vez com vanguardismos, leninistas ou não; mostra-se disponível para acolher os activistas do Livre, a grande maioria deles ex-militantes ou ex-simpatizantes do BE, se estes assim o entenderem; a direção do Livre põe à discussão nas suas bases, votantes e simpatizantes, a hipótese da dissolução nas condições referidas, e o voto é pela dissolução. Qualquer que seja o resultado, será um momento alto de pedagogia política de esquerda. Se a decisão for a não dissolução, o Livre terá um mandato mais forte para continuar. Se o Livre se dissolver, os movimentos sociais que se articularam com ele nada têm a perder. O CPC, por exemplo, continuará a sua luta por resgatar Coimbra das oligarquias políticas medíocres e corruptas que a têm destruído. Em próximos períodos eleitorais serão os partidos a necessitar do CPC, e não o contrário.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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