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02-09-2015        Público

Solidariedade, hospitalidade, generosidade um tríptico fundador europeu.

Há na Europa um movimento (que parece) perpétuo (de gente confusa) que mistura refugiados, requerentes de asilo, imigrantes e migrantes e os coloca a todos num mesmo nível de discussão (e de repúdio). Esta confusão é independente de crises humanitárias ou de picos de vagas migratórias como a atual. Importa pois separar o que não deve ser baralhado e desenhar estratégias que descompliquem a narrativa sobre este assunto de importância crítica para o nosso amanhã comum.

Há muitos tipos de migrantes na Europa, nomeadamente migrantes internos e de países terceiros, migrantes económicos, altamente qualificados, empreendedores, estudantes, migrantes inactivos, refugiados activos e inactivos, recém chegados e velhos conhecidos. Trazem com eles a sua cultura, tradições e religião porque estas qualidades fazem parte deles como fazem parte de nós. Trazem também novas ideias, novos sons, novos sabores e novos genes e acrescentam tudo isso à “velha” Europa permitindo-lhe regenerar-se e preparar-se para o futuro. Acrescentam algo e não diminuem nada em relação ao que a Europa foi, ao que a Europa é.

Esta diversidade e a forma como, ao nível europeu, vêm sendo geridas as migrações gera, porém, uma impressiva perplexidade pela ausência de uma estratégia e uma abordagem comum (e pluribus unum?). Não basta falar de uma estratégia europeia para as migrações, de uma estratégia europeia de asilo, de uma política europeia para os refugiados. Não é suficiente (embora seja muito positivo) ter um Comissário Europeu para as migrações. Se cada Estado-membro tem políticas próprias de imigração e de integração (e em alguns casos, mesmo políticas externas potenciadoras de migrações) que conflituam com a dos outros Estados-membro. Se cada país tem um sistema de segurança social (ou de providência) que atua perante um mesmo tipo de recém-chegado de forma diferente. No fundo, se as estratégias nacionais conflituam com as estratégias europeias, o futuro destas últimas é não serem efetivas e, na prática, serem ineficazes..

Parecendo excêntrico afirmar tal coisa num momento como o atual é certo que uma parte do nosso futuro passa pela forma como a Europa responder às dinâmicas migratórias e interagir com os países de origem destes migrantes. A nossa segurança, a nossa economia, a nossa demografia, a nossa democracia, a nossa cultura estão a ser desafiadas pelas nossas respostas a esta crise humanitária. Ou compramos a paz no curto prazo, com mais vigilância e segurança (navios, aviões, muros e redes altas) ou, numa alternativa mais sensata, negociamos uma parceria estratégica de longo prazo, com a construção de relações de interdependência e reciprocidade. Tal implica negociações, diplomacia, tempo e um plano. Mais democracia e uma democracia mais densa como forma de resolver problemas comuns nos países de origem e nos países de destino destas migrações. Uma democracia baseada numa redistribuição: de poder, de capital, de trabalho, de recursos.

Numa situação em que existiu/existe um conjunto de guerras e revoluções em regiões próximas, a Europa não é o local mais afetado pela chegada de refugiados. Exemplos como o Líbano, a Turquia, a Jordânia, o Egipto ou até a Rússia mostram-nos que outros países acolhem mais refugiados que a UE na maior parte dos casos países com menos recursos que a União Europeia.

Como resolver este aparente problema e desatar o nó górdio na relação entre o poder de decidir quem entra e permanece em território Europeu e os (muitos) que precisam de ajuda imediata? Com aquilo que temos à mão: generosidade, diplomacia, democracia, humanismo Contribuir para que ditadores e tiranos abdiquem em favor de democratas é o caminho para o desenvolvimento em muitos dos países de origem dos migrantes e refugiados. Em segundo lugar, diplomacia. É preciso encontrar interlocutores válidos e reiniciar diálogos para a gestão conjunta das migrações (com os países do norte de África; com os países do médio oriente; com os países subsaarianos). Diplomacia para detetar e punir em tribunais nacionais e internacionais os que traficam seres humanos e vivem à custa da desgraça alheia numa usura da esperança e liberdade que impulsiona os migrantes a querer partir. Complementarmente, há que iniciar aquilo a que se pode chamar um mainstreaming da mobilidade humana, isto é, integrando no nosso paradigma social o direito a ir. A UE trata a mobilidade de pessoas numa lógica distinta da que adopta para a mobilidade de produtos e serviços ou para a mobilidade de capital. Melhor, adopta no que se refere à mobilidade de capital humano uma política seletiva e diferencia o “bom” migrante dos outros e só quer os primeiros. A UE e os seus componentes (governos e instituições) não compreendeu ainda que não há força capaz de impedir o sonho de liberdade: de barco, a pé, por mar, por terra, por túnel, haverá sempre quem leve o destino numa mala de cartão.  Em terceiro lugar, generosidade. Há que procurar uma solução europeia para os que chegam em vez de adiar a solução responsabilizando os países um a um. Ativem-se os planos de contingência, distribuam-se fundos que permitam rapidamente uma integração organizada, registem-se e exportem-se as boas práticas. Conceda-se de imediato um estatuto de refugiado (ainda que temporário) aos que dele precisam e construa-se um plano de paz e desenvolvimento para os países de origem destes homens, mulheres e crianças. Muitos dos refugiados quererão regressar aos seus países após a sua estabilização política, outros (também muitos) perderam tudo e não têm para o que voltar. Ficarão e serão mais uns de nós.

Qual o nosso papel no meio de tudo isso? Enquanto indivíduos compete-nos compreender que não podemos aceitar racismos e xenofobias em torno de seres humanos exatamente iguais a cada um de nós. Ajudar a acolher, a integrar numa base de proximidade. No fundo ver no outro um irmão. Enquanto país pedir a palavra, comandar, levantar o tema nas reuniões internacionais, no Conselho ou no Parlamento Europeu, nas Nações Unidas e nas outras organizações internacionais a que pertencemos. Trazer para este plano os nosso aliados internacionais de outras causas. Temos a sorte (que soubemos construir) de ser exemplares nas políticas de integração de migrantes. Devemos agora ser porta-voz dos muitos que não a têm. Devemos dar um passo em frente: oferecer ajuda. Publicamente afirmar que Portugal receberá os refugiados que de nós precisem. Devemos acolher não a quota que nos querem dar (entre mil e dois mil) mas os que, solidariamente na (e com a) Europa, nos for possível acolher na nossa proporção de recursos disponíveis (leia-se necessariamente mais do que a atual quota). Ser solidários faz parte de nós. Na atual crise humanitária a solução está onde sempre esteve: na construção de uma Europa humanista, aberta ao mundo e preparada para ser solidária! É tempo agora de cumprir o futuro.

 

 

 


 
 
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Pedro Góis



 
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