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28-02-2015        Jornal de Notícias

A Comissão Europeia comporta-se com Portugal como um médico que após ter receitado a um paciente grandes doses de medicamentos para emagrecer e de ter assegurado que ele os tomou, ao observá-lo proclama candidamente: estou muito preocupado com a sua magreza. Chega de hipocrisia e irracionalidade! Basta de declarações de governantes (e não só), afirmando que estamos no bom caminho e melhor do que há quatro anos. A União Europeia não está afetada pelas fragilidades de um ou outro país, mas sim por uma epidemia de brutais políticas de austeridade impostas pelo neoliberalismo fundamentalista reinante, que procura a todo o custo impedir qualquer alternativa e que nos pode conduzir a um grave retrocesso social, cultural e civilizacional. Dezoito dos 28 países da União estão colocados nos quatro patamares de observação face aos seus "desequilíbrios", mas mesmo outros estão "doentes": a Alemanha, que até vai aos mercados buscar dinheiro com juros negativos, está bloqueada no seu processo de desenvolvimento. As políticas seguidas empobrecem o nosso país, contudo aí está de novo a Comissão Europeia a clamar contra o salário mínimo nacional, contra a quase moribunda contratação coletiva e a solicitar novos programas de "reformas estruturais ambiciosas".

No presente, como bem mostra a situação que a Grécia atravessa, as vias para a saída do atoleiro são estreitas, mas existem e devem ser prosseguidas: correr com os governos serventuários e colaboracionistas, travar e inverter a austeridade, rebentar com as grilhetas da dívida e dos seus custos - as dívidas terão de ser reestruturadas e é indispensável fazer séria discussão sobre como permanecer ou como sair do euro -, afirmar como prioritário o combate à pobreza e pela proteção das pessoas, travar as batalhas possíveis para que o dinheiro não fique nos circuitos bolsistas e especulativos, ou seja, chegue às pessoas e às empresas que criam emprego e produzem bens e serviços úteis.

A sociedade portuguesa está muito mais pobre e desprotegida, não apenas porque houve cortes brutais na proteção social, mas também porque a economia foi destruída e/ou reestruturada para ser entregue aos interesses associados aos nossos credores, porque quase 1/7 da população ativa, e nela uma grande parte da nossa melhor geração, teve de emigrar, porque se destruiu emprego, porque se impôs uma brutal transferência de rendimentos do trabalho para o capital, sem qualquer ganho direto ou indireto na criação de emprego.

Oficialmente temos 389 mil desempregados sem subsídio de desemprego e dezenas de milhares de "desencorajados". Tudo tem de ser feito para se criar emprego, pois só essa via poderá resolver o problema. Os subsídios de desemprego e outras prestações são direitos fundamentais e a sua reposição significa milhares de milhões de euros por ano. Cerca de 27% da população está em situação de pobreza. É uma vergonha e um drama. As afirmações à Robin dos Bosques de Passos Coelho quanto aos sacrifícios feitos pelos portugueses são desmentidas pela Comissão Europeia, quando esta declara que o corte nos apoios sociais "afetou desproporcionalmente os mais pobres" e que as famílias com crianças foram "particularmente afetadas pela pobreza e exclusão social".

O país precisa de uma política que articule o combate à pobreza, com fortes medidas de criação de emprego digno e sustentado, com uma muito mais justa distribuição da riqueza. As políticas e práticas de solidariedade que respondem a carências gritantes são necessárias, mas o país não pode ter um sistema de proteção social assente estrategicamente no assistencialismo de emergência e até no fazer da pobreza um negócio.

Como se demonstra num estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas 1 , o Estado social está a ser perigosamente reconfigurado em nome de uma pretensa contenção da despesa pública. O Governo está sub-repticiamente a criar um outro sistema de proteção social que estigmatiza os desempregados e todos os que necessitam de mais proteção, transporta mais encargos para as famílias, retira os direitos às pessoas, que coloca na dependência da estratégia e da ação de organizações não-governamentais a prestação de direitos fundamentais que cabe ao Estado garantir.

É preciso encetar um profundo debate para que a pobreza e a desproteção não continuem a aprofundar-se.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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