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09-08-2014        Jornal de Notícias

Nestes dias em que Durão Barroso nos anunciou a vinda de uma "pipa de massa" de 26 mil milhões de euros até 2020, vamos tomando conhecimento, às pinguinhas, de que a gestão "competente" de Ricardo Salgado e seus pares, no Grupo GES/BES, fez evaporar muitos milhares de milhões de euros. Qual o volume desta pipa? Não sabemos e jamais saberemos ao certo, dado que a evaporação se fez por muitos canais. Mas é provável que o efeito cascata que envolve centenas de empresas, que afeta a economia e o emprego em múltiplas áreas, coloque o custo em valor idêntico ao da "oferta" dos mandantes de Barroso.

A exemplar gestão privada dos Ricardos Salgados deste país (que não são poucos), seguindo os mais modernos procedimentos dos "mercados" - onde muitas vezes o roubo é "legal" e quem o faz é apenas suspeito de "eventuais comportamentos ilícitos" -, afeta a vida coletiva de milhões de cidadãos, põe em causa os seus direitos, interesses e riqueza, define o rumo do país e torna-o ingovernável.

Grande parte das decisões que a "justiça" vai adotar sobre as obrigações que o GES deverá cumprir será tomada por tribunais luxemburgueses e de outros países, sem preocupação em salvaguardar os interesses dos portugueses e do país, que assim fica menos governável.

O Banco de Portugal, preocupado fundamentalmente com a não ampliação do pânico e com operações de charme, corre atrás dos estragos e não divulga factos que possibilitem uma informação responsável dos portugueses. Isto não ajuda a que o país seja governável.

OBCE, o FMI, "os mercados", a senhora Merkel com os seus aliados e capatazes, impondo pactos orçamentais desastrosos e condições que nos colocam cada vez mais pobres e com maior dívida, marcam um desastroso rumo para Portugal e não nos permitem uma governação interna que dê futuro ao país.

A ingovernabilidade do país não resulta da falta de entendimento dos partidos do "arco da governação". Esse entendimento ou consenso, tão reclamado pelo presidente da República, seria sempre orientado para a execução das incumbências do Governo externo (a UE e o FMI) e jamais faria combate aos poderes internos que nos desgovernam. Com as políticas e mecanismos de governação da UE, com a manutenção das políticas económicas, sociais e culturais neoliberais no plano nacional, a situação dos portugueses e do país só piorará, por mais que aumente a dose da austeridade. Sem aniquilamento desta máquina destruidora e com estes atores políticos, só teremos ingovernabilidade.

Fracassados os governos externo e interno, chegaremos, em 2015, a eleições. Imaginemos um cenário: a coligação do atual Governo interno perde-as; um partido que se apresentará como alternativa terá de governar com ou sem maioria absoluta, com ou sem alianças. Esse partido falou pouco dos problemas e soluções concretas e preparou-se ainda menos para lidar com o Governo externo, refugiando-se em desejos de mudanças que não são mera questão de vontade. Neste cenário, o novo Governo interno tomará em mãos a responsabilidade de reduzir a dívida pública a metade em vinte anos e de o fazer sem dispor de instrumentos de política monetária, orçamental e industrial, já que os governos anteriores os entregaram quase todos ao Governo externo. Terá assim de governar como quem pilota um automóvel com um belo mapa na mão, mas com o motor incapacitado, sem volante, sem pedais, com parabrisas e janelas meio destruídas, pois os direitos no trabalho e os direitos sociais fundamentais estão muito fragilizados. Isto é outro tipo de ingovernabilidade.

É duro constatar-se, mas é verdade: só haverá governabilidade se o carro tiver motor em condições, volante, travões, acelerador, proteção dos passageiros - os portugueses. O condutor tem de ser o Governo português, formado por forças políticas e personalidades dispostas a recuperar grande parte dos comandos perdidos, a assumir os valores da democracia, da defesa da soberania e da independência do país. Se o instrutor tiver de estar no carro, ou se for útil estar, jamais pode ser ele a conduzi-lo.

Este novo Governo só existirá com um apoio consciente e determinado do país. Mobilizar este apoio, sem iludir as questões difíceis e as escolhas arriscadas - avisar a malta - parece ser o que ao futuro do país faz mais falta.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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